Na senda das comparações, aqui vai mais uma, esta da autoria de José Vítor Malheiros, em crónica no Público (edição impressa, 19-05-2009). Corresponde sem tirar nem pôr à minha opinião quanto às pessoas envolvidas. Destaques meus.
As conversas informais e os juízos que formamos
José Vítor Malheiros
Não temos de esperar um julgamento para sermos autorizados a formar uma opinião sobre uma dada pessoa
A presunção de inocência é um princípio fundamental do Direito. Mas a presunção de inocência significa apenas que uma pessoa não pode ser considerada culpada de um crime sem ter sido julgada e provada a sua culpa em tribunal - onde deve ter acesso a todos os meios necessários para contestar as acusações de que seja alvo.
O que já não é verdade é que tenhamos de esperar que haja uma investigação judicial e um julgamento de um qualquer caso para sermos autorizados a formar uma opinião sobre uma dada pessoa e a enunciar essa opinião. Por enquanto, a razão de cada cidadão ainda é autorizada a funcionar livremente e os juízos de valor - nomeadamente em relação aos políticos e à política - podem ser produzidos e divulgados sem autorização prévia de qualquer tribunal.
É por isso que não preciso de uma decisão judicial para ter (e para enunciar aqui) a convicção de que Dias Loureiro não devia ter assento no Conselho de Estado.
Não sei se as acusações que recaem sobre ele poderão ser provadas em tribunal. Mas não preciso de uma decisão judicial para formar uma opinião acerca de um homem que já vi e ouvi muitas dezenas de vezes, falando sobre tudo e todos e, nomeadamente, que já vi rebater os argumentos que têm sido usados contra si.
Dias Loureiro não merece a minha confiança e acho que pessoas que não merecem confiança não devem estar no Conselho de Estado. E até acho que o Presidente da República, que o nomeou, também já não confia nele. E não preciso de uma decisão judicial para formar a minha opinião, para analisar as declarações de Cavaco e extrair delas as minhas conclusões, ou poder dizer o que penso. O que é útil, repare-se. Se fosse preciso uma decisão judicial para podermos confiar ou desconfiar desta ou daquela pessoa, teríamos de submeter a rigorosos processos judiciais todos os candidatos a eleições e governantes e isso seria pouco prático e confrangedor. A confiança - e, nomeadamente, a confiança política - não funciona assim.
Vem isto a propósito do procurador Lopes da Mota e do processo disciplinar que lhe foi levantado, na sequência do inquérito a que foi submetido, após a denúncia de que foi alvo por parte de dois outros procuradores, encarregados de investigar o caso Freeport.
Também aqui, não sabemos qual será o resultado do processo disciplinar. Mas o simples facto de Lopes da Mota ter tentado menorizar a acusação de pressões de que foi alvo dizendo que se tratou apenas de uma conversa "informal" entre "amigos" diz o essencial. E quando admite ter referido que Sócrates queria ver o caso resolvido rapidamente, diz mais do que o essencial para formarmos uma opinião. Lopes da Mota quer dizer que não deu aos procuradores uma ordem formal no sentido de "arquivar" o processo. É, talvez, razão para nos felicitarmos. Mas a informalidade da conversa não constitui prova da sua inocuidade - pelo contrário. O que teríamos gostado, de facto, é que a conversa tivesse sido mantida dentro das fronteiras da mais estrita formalidade. Mais: que nem sequer tivesse existido qualquer conversa se não houvesse justificação oficial para ela ter lugar. O simples facto de ela ter existido revela da parte de Lopes da Mota, no mínimo, pouco escrúpulo na defesa da independência do Ministério Público e dos seus colegas, os magistrados encarregues do caso Freeport, e pouca inteligência na defesa do seu próprio nome.
Pelo meu lado, não vejo razão para confiar em Lopes da Mota. E penso que muitos observadores, pela Europa fora, pensam o mesmo e pelas mesmas razões. O que significa que é imperativo afastá-lo do Eurojust. O processo disciplinar verá a extensão das suas falhas. Mas as que conhecemos pela sua boca são suficientes para formarmos desde já esta opinião. Jornalista (jvm@publico.pt)
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