a política na vertente de cartaz de campanha

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O Sono Luso

Sono Luso (http://osonoluso.org) define-se como sendo «um órgão de desinformação ao abrigo da liberdade e coisa e tal» e afirma ser «o único jornal de auto-referência». Acha que pode ser interpretado como «anti-Partido Socialista» mas apenas porque este é o actual partido do poder. É um lugar onde a brincar se dizem verdades, que é a melhor maneira de o fazer, já que tristezas não pagam dívidas.

Está a organizar o "Prémio Lambe Botas 2009", «um concurso para determinar a figura que mais se destacou em 2009 como o maior lambe-botas ou seja, quem mais se esforçou para pintar uma boa imagem do governo Sócrates 2005-2009». Até 31 de Outubro decorrem as nomeações e durante Novembro terão lugar as votações. Para mais informações visitar a respectiva página.



Esta iniciativa despertou-me atenção e, querendo saber mais sobre este site, enviei umas perguntinhas ao Director, o qual teve a amabilidade de responder.


F: O Sono Luso define-se como «O único jornal de auto-referência». Quando foi criado e quais os seus propósitos?


O Director: Todos os jornais se definem como "jornais de referência" mas eu não entendo o significado da expressão. Presumo tratar-se de publicidade ou marketing mas, qual o conceito que tenta vender? Referência de quê? A quê? É porque as notícias publicadas são verdadeiras? Mas isso faz algum sentido? Em última instância, alguém sabe o que é que referenciam? De forma comum, os leitores associam a expressão a algo do tipo "se foi publicado no jornal X, que é de referência, então merece a notícia merece entrar nos cânones da história do país". Mas a história do país não é feita de episódios noticiosos, pelo menos, na sua totalidade. As histórias por entre as linhas são aquilo que fica, não a notícia propriamente dita. O "auto-referência" ridiculariza ou satiriza esse conceito. Referenciamos a nossas próprias notícias, as notícias que os outros publicam e, essencialmente, arriscamos satirizar a seriedade da actividade política, económica, social e cultural do país. Somos o único jornal que usa essa denominação. Por isso, o slogan é verdadeiro. O propósito de O Sono Luso é mostrar o quão plausíveis são as sátiras em relação ao que normalmente se entende por realidade. Quem contribui para o jornal apercebe-se que as suas notícias são, regra geral, menos ridículas e muito mais próximas da percepção do homem comum do que as notícias publicadas pelos "jornais de referência". A ficção é menos estranha que a realidade. Isso define o Portugal de 2009.
A sociedade bipolar escolhe entre enaltecer a posição do Expresso e a posição do Diário de Notícias no caso do email das escutas em Belém. Essa escolha não é deontológica ou, emocional. É uma escolha racional baseada no partido que essa posição pode mais beneficiar ou prejudicar. Portanto, o que é a realidade? Neste momento, em Portugal, a realidade é o que o resultado das eleições ditar.
Quero aproveitar para dizer que O Sono Luso não tem preferências partidárias e considera a sociedade portuguesa demasiado politizada. A auto-denominada esquerda acusa o jornal de ser de direita, a auto-denominada direita acusa-o de ser de esquerda. Isto, para nós, significa que apertamos os botões certos. Se há um viés que pode ser interpretado como anti- Partido Socialista, isso acontece porque é esse o partido do poder. Basicamente somos quem ridiculariza o poder, seja ele quem for. O poder leva-se demasiado a sério. O que é muito perigoso.  Este poder, o dos últimos 35 anos, com algumas excepções pelo meio, está a centímetros de sair do ridículo e
entrar no bárbaro. Ou então já entrou e estamos habituados a isso.



F: O jornal tem actualmente uma página de recrutamento pelo que se depreende que pretende crescer quanto a colaboradores. Começou por ser um projecto unipessoal ou foi logo à partida um trabalho de equipa?


O Director: Neste momento, todos os artigos (com a excepção de um texto publicado ontem sobre Saramago e Caim assinado por Vítor Cunha - @vitorcunha no Twitter) são assinados por mim, como "Director". O "Director" é quem faz o site e, em última instância, decide o que é publicado. Mas, ao mesmo tempo, é uma bandeira que serve de abrigo a várias pessoas. 
A noção de "asfixia democrática" não pegou para efeitos eleitorais mas, a maioria das pessoas com quem falo, sentem-se ameaçadas se encontrarem o seu nome directamente relacionado com críticas ao partido do poder. Há os exemplos do Daniel Luis e o blog Dissidências, há o caso do professor sancionado por colocar um cartoon num quadro da sala de professores, há rumores não noticiados de perseguição mesquinha em empregos por diligentes servis do partido do poder. Isto para não falar no recorde de processos que o actual primeiro-ministro coloca a quem o desafia ou critica. Nem João Miguel Tavares a escrever no Diário de Notícias escapou. José Sócrates não é um democrata, é um autocrata sedento de poder com demasiadas suspeitas de corrupção. É óbvio que o povo encontra isso nele e estou ciente que é o motivo pelo qual ganha eleições. Quando surgir (e não "se surgir") a próxima suspeita de corrupção, o homem vai eriçar as unhas como sempre tem feito. Talvez ganhasse hoje o concurso do "Maior Português" da RTP. Seria uma experiência interessante de tentar.
Depois temos a polémica do mesmo DN e João Marcelino, um dos nossos alvos preferidos. Homem que pessoalmente nomeei para o nosso concurso do "Lambe Botas 2009" a decorrer até ao fim de Novembro. Portugal caiu a pique na análise de liberdade de imprensa realizada pela Freedom House no ano de 2008. Estou ansioso por ver o ano de 2009, será uma catástrofe absoluta. Isto para não falar no lobby da língua portuguesa do Brasil, outra catástrofe. É imbecil quando um país de semi-liberdade de imprensa dita a utilização da língua. Já viu a palavra "estória"? Acrescenta alguma coisa? É a "história" composta por verdades absolutas? Os neologismos brasileiros invadem a língua em Portugal como as telenovelas fizeram à televisão nos anos 80. Tudo com o aval dos servis prontuários do poder disperso pelos órgãos de comunicação social e à margem deles. Quantas palavras do léxico tradicional de qualquer região portuguesa encontra em uso no Brasil? É uma questão de maior população? Então vamos falar Mandarim a abono da coerência.
Há sabujos do poder que trabalham em jornais, é um facto simples que qualquer puto com a quarta classe pode comprovar. Mas há muitos mais sabujos, à margem da imprensa actual, prontos para servir qualquer partido de poder e ansiosos por entrar (ou reentrar) nas redacções. Dadas as possibilidades e perspectivas actuais, temos ainda jornais muito bons com um nível de democracia muito elevado. Tenderá a mudar nos próximos meses. Em 2010 talvez se safe um ou outro jornal, provavelmente semanários. A pressão económica nos diários é insuportável.
Uma sociedade democrática é uma sociedade livre. Uma sociedade em que a crítica, a sátira e o maldizer argumentado devem ser acarinhados como um direito inalienável. Devíamos ter uma estátua de Rafael Bordallo Pinheiro em cada vila. Aprender a concordar em discordar. Defender o direito a dizer algo que se abomina. Quem coloca a cabeça no cepo não pode esperar tratamento diferente. São governantes, logo, por definição, gozáveis. A ideia do "respeitinho" de Salazar deve 35 anos ao túmulo. Nós dizemos "basta" até nos calarem à força. No tempo de Cavaco Silva, o jornal Independente conseguia publicar as mais vilipendiosas críticas ao governo. Sem consequências. Esse governo, também autocrático na sua natureza, percebia que a resposta apropriada à crítica é o silêncio ou a resposta na mesma moeda, com crítica maldizente. O governo actual não percebe isso. É persecutório. Puxa dos galões por dá-cá-aquela-palha. Nós gradecemos, dá-nos muito material.
Por este motivo, O Sono Luso tenderá a parecer sempre um projecto unipessoal. Neste momento, um grupo de aproximadamente 10 pessoas publica sob o nome "Director". Como disse, a única excepção foi Vítor Cunha que já manifestou o desejo de assinar todos os artigos daqui para a frente. Contamos vir a ter com outros nomes também conhecidos que, com uma coragem que deveria ser desnecessária em 2009, assinarão os seus artigos com nome próprio.
Quanto ao recrutamento, temos sérias dúvidas que alguém de bom senso e com um emprego dependente da alçada do estado alguma vez concorra. É esse o nome do jornal: estão todos a dormir; ou a fingir que dormem.


F: Como vêm O Sono Luso daqui a um ano?


O Director: Encerrado pela ASAE ou pelo Sócrates. Alguns de nós a braços com problemas de justiça. Com o endereço osonoluso.org a apontar para o jugular ou simplex. Com a maioria da blogosfera a dizer que nos excedemos, que brincar é bonito mas com limites. 
Isto é gente que acha que o direito de expressão tem limites impostos pela abstracção do "bom senso". Nunca descobriram que as televisões têm um botão de desligar. É a gente que patrocina a cultura nacional e persegue cultura que não se conforma. Os seus leitores poderão argumentar que O Sono Luso não é cultura. Eles sabem. Têm os livros que define o que é ou o que não é cultura. Alguns querem rasgar o bilhete de identidade do único Nobel português que não fez furos na cabeça de doentes mentais e, incrivelmente, ninguém lhes quer fazer um furo na cabeça.
Os austríacos, prontos a adoptar qualquer neo-fascismo que lhes acene a grandeza do Império Austro-Húngaro, tiveram o mesmo problema há uns anos. Em 1995 havia um cartaz mandado colocar por Haider que dizia "Gosta de Rudolf Scholten, Michael Haeupl, Ursula Pasterk, Elfriede Jelinek, Claus Peymann... ou gosta de cultura?". Em 2004 a Jelinek recebia o prémio Nobel da Literatura.
Nós temos menos vergonha que os austríacos. Nós não nos importamos de queimar numa fogueira um que já recebeu o Nobel. 
Um dia poderemos ver O Sono Luso escrito num cartaz desses. Esperemos também que nos coloquem na mesma frase que alguém que recebeu um Nobel da Literatura, junto a outros intelectuais da liberdade. Sabemos que destoamos, não somos intelectuais. Mas pensamos pela própria cabeça o que já nos coloca à frente de 95% da população para o título.
Se entretanto o governo e os seus funcionários ganharem juízo, daqui a um ano talvez esteja O Sono Luso a ser distribuído em papel. Dependerá da coragem que alguns directores de jornais tenham. Até porque daqui a um ano alguns jornais poderão estar encerrados ou a imprimir o Acção Socialista
Mas duvido. Estamos do lado errado das probabilidades. É mais provável começarmos todos a queimar livros em praças públicas nas fogueiras das festas populares.