Sobre a "espionagem política"
O primeiro Governo de Sócrates foi dominado pela propaganda no sentido clássico do termo. Aquilo a que estamos a assistir neste momento é algo de muito diferente. Com os números da dívida e do desemprego a subirem; com o Tribunal de Contas a reprovar sucessivos negócios governamentais; com a Justiça a sofrer das maiores pressões exercidas por um governo em Portugal; com o primeiro-ministro, cujo nome começou por aparecer em alguns casos e se transformou ele mesmo num caso único da política portuguesa, a estratégia de comunicação do círculo de José Sócrates é cada vez mais o ataque e de cada vez que ataca atinge os alvos duma forma que até esse momento se julgava interdita. Foi isso que aconteceu ontem com as respostas dadas por Vieira da Silva e Ricardo Rodrigues no Parlamento a propósito das acusações de "espionagem política" formuladas pelo ministro da Economia, no momento em que se tornou público que havia escutas de conversas entre Armando Vara e José Sócrates. Como Portugal não é (ainda) uma república das bananas, não é normal que um ministro acuse o Ministério Público, as polícias de investigação e não se percebeu se também o Supremo Tribunal de Justiça de "espionagem política", pois essas seriam as entidades que estavam ao corrente das escutas. Chamado ao Parlamento para explicar o que queria dizer com a expressão "espionagem política", Vieira da Silva não explicou nada e mudou estrategicamente o alvo, acusando Manuela Ferreira Leite não se percebeu se de espiar, de alguém espiar por ela ou de estar ao corrente do conteúdo da dita espionagem. Foi secundado nesta acusação pelo deputado Ricardo Rodrigues, sendo que este último cometeu o deslize de admitir que o negócio da TVI, que Sócrates dizia desconhecer, é de facto referido nas escutas que diz alegadas. E assim, num golpe que pelo menos terá o mérito de contribuir para confusão que já não nos permite perceber quem disse o quê e quando - o problema deixou de ser um ministro acusar o Ministério Público e as polícias de fazerem espionagem política -, passámos a ter a líder do PSD a fazer espionagem. E mais importante ainda, caso a líder do PSD peça explicações por estas acusações de Vieira da Silva e de Ricardo Rodrigues, há-se ser acusada de não ter sentido de Estado ou ridicularizada, ou provavelmente ambas as coisas. E o assunto assim morrerá até que amanhã Vieira da Silva, Santos Silva, Ricardo Rodrigues ou José Junqueiro voltem a usar esta técnica, até agora eficaz, de responder atacando duma forma que não se julgava possível num partido de governo para, em seguida, rapidamente recolherem à segurança da postura institucional. Sendo que todos sabem que para próxima usarão a mesma técnica, mas o ataque será ainda mais feroz.
Contudo, ficou por saber se o ministro nos informou oficialmente que existe em Portugal uma rede de espionagem nas polícias e na Procuradoria que, segundo o mesmo ministro, fornece informações a Manuela Ferreira Leite. Se Vieira da Silva quis mesmo dizer o que disse, tem de voltar novamente ao Parlamento, porque se uma rede de espionagem política é grave, uma rede que trabalha para um determinado partido é ainda mais grave. E um ministro que lança suspeitas deste teor ou as fundamenta, ou deixa de ser ministro. Hoje no Público
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