Crónica de uma manhã qualquer
Quase oito, é melhor correr antes que o trânsito entupa. Ao menos não chove, pode ser que não haja bicha. Ligar o rádio e ouvir o Portugalex. Os tipos têm pinta e conseguem fazer de notícias pateticamente tristes um momento de riso. Não está mau, bastarão cinco minutos para chegar ao cruzamento. 100 metros em 5 minutos. Lá está o local do golpe, bem conhecido de todos. Indo por dentro do parque de estacionamento fica-se 50 metros mais perto do cruzamento, passando à frente de metade dos que esperam pela sua vez. Estes, pactuam com o golpe, abrindo alas a quem vende a sua dose matinal de ética por dois minutos e meio. Não surpreende que personagens duvidosas consigam ser eleitas na política quando por tão pouco uns estabelecem o seu preço e outros colaboram docemente apesar disso saberem. É uma questão de oportunidade. Ou antes, de empatia por parte daqueles que acham que fariam o mesmo se lá chegassem. Lá está a escola, razão do caos matinal. Por um lado não existe transporte escolar para levar as crianças e por outro os pais não sentem segurança em deixarem os filhos irem a pé meia hora. Porquê? Sabe-se que há muito beneficiário de subsídio de desemprego e de RSI mas não há ninguém que controle as passadeiras para ajudar as crianças a atravessar a rua em segurança. Nos pontos onde por vezes ocorrem roubos também ninguém zela pela segurança. Quem passe pela corresponde hora de ida para a escola na Alemanha ou na Áustria, por exemplo, verá imensos pais munidos de colete reflector e de sinal de stop contribuírem para a segurança do percurso pedonal casa-escola-casa. Esses pais, os próprios interessados, organizam-se para o efeito. Agora o trânsito começa a fluir. Lá ao fundo, por entre as barras de bambu que são os arranha-céus plantados em fileiras, rompe um sol carregado de amarelo-torrado. O dia não será cinzento.
Muito oportuna esta crónica. Em tempos também eu comentei sobre a aparente apatia do povo português face aos descalabros dos n/ governantes, (sejam eles PS ou PSD), e também aventei a hipótese de que não seria apatia, mas sim empatia, pois se lá chegassem também fariam o mesmo! Quanto à organização civil para melhorar as n/ vidas, realmente é pena mas parece que não temos vocação...
Volta e meia interrogo-me se não serei eu o alien; se não serão os outros a normalidade. Alegro-me por não estar sozinho :)