As SCUT
Fonte: Auditoria às concessões rodoviárias em regime de portagem SCUT, Tribunal de Contas, Maio 2003
Este gráfico evidencia o aumento brutal da despesa com as SCUT em 2005, num retrato feito pelo Tribunal de Contas em 2003, apenas 3 anos após o lançamento das SCUT. Um problema com barbas que se aflora a seguir.
Onde nasceram as SCUT? Veja-se este texto no Público de Sábado 20/05/2000 (sem link; destaques meus):
António Guterres promete "revolução" nas acessibilidades
Por João Pinharanda
Sábado 20/05/2000
Depois da RTP e da SIC terem somado gloriosas audiências com as transmissões das duas últimas jornadas do Campeonato, é a vez da TVI brilhar com a transmissão da Final da Taça de Portugal, que leva amanhã Sporting e FC Porto ao Estádio do Jamor, em Lisboa. Na internet, no campo ou no pequeno ecrã, a TVI não só transmite como faz a festa.
O primeiro-ministro disse ontem, em Aveiro, que "Portugal está a viver o período mais significativo de lançamento de obras públicas da sua história". António Guterres aproveitou a cerimónia de assinatura do contrato de concessão ao consórcio Lusoscut da construção, financiamento, conservação e exploração de 109 quilómetros de lanços do Itinerário Complementar nº1 (IC1), para fazer um balanço dos investimentos públicos em matéria de acessibilidades. "Posso dizer-vos que estão em construção e adjudicados 590 quilómetros de auto-estrada e em concurso 525 quilómetros de auto-estrada. Em adjudicação, construção ou concurso, estão mais de mil e cem quilómetros de auto-estrada, o que é revelador de um esforço gigantesco e de uma vontade firmíssima de fazer do investimento em infra-estruturas, uma condição essencial para o nosso desenvolvimento", afirmou. Guterres anunciou uma "autêntica revolução" na área das acessibilidades, que vai permitir ao país defrontar melhor as dificuldades externas. "Todos temos consciência de que Portugal é um país vulnerável à elevação das taxas de juro nos mercados internacionais, à evolução do preço do petróleo ou do valor do dólar. O efeito negativo que esses factores podem ter exige uma resposta determinada dos portugueses, e por isso aqui estamos a dar o nosso contributo", disse o primeiro-ministro. Para Guterres, a concessão à Lusoscut (consórcio multidisciplinar que integra onze empresas construtoras e duas de natureza financeira) dos troços do IC1 - que, na zona compreendida entre o Porto e Mira, passa a ser designada como SCUT da Costa de Prata - é um bom exemplo da aposta do Governo na expansão das acessibilidades. "A colaboração entre o Estado e a iniciativa privada é um modelo de desenvolvimento que tenderá a generalizar-se na Europa, pois permite mais eficácia e rapidez a custos controlados", vaticinou. O primeiro-ministro anunciou ainda que o Governo está a preparar a concessão, em moldes semelhantes, da chamada SCUT do Litoral Centro, que vai permitir uma ligação alternativa em auto-estrada entre as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.A concessão da SCUT da Costa de Prata corresponde a um investimento previsto de 87 milhões de contos, 57 dos quais referentes a custos de construção. A concessionária será responsável pela construção ou duplicação de 65 quilómetros, cabendo ao Estado os restantes 44. Tal como ficou previsto no Decreto-Lei 267/97, que veio definir um sistema alternativo para construção deste tipo de vias em regime de concessões SCUT (Sem Custos para o Utilizador), o IC1 terá perfil de auto-estrada e as portagens serão "virtuais", devendo o Estado compensar financeiramente os investidores privados. O prazo de concessão é de 30 anos, período durante o qual a concessionária procederá à manutenção e exploração da futura SCUT da Costa de Prata. No distrito de Aveiro, a obra integra a construção dos troços entre Maceda e Angeja, a norte, e Aveiro e Mira, a sul, com extensões respectivas de 27,9 e 23,8 quilómetros. A via atravessará os concelhos de Espinho, Ovar, Estarreja, Aveiro, Ílhavo e Vagos, mas os seus efeitos irão também fazer-se sentir em Santa Maria da Feira, São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha, Murtosa e Oliveira do Bairro. Actualmente, está já em funcionamento um troço do IC1 que começa à saída da cidade do Porto e termina em Maceda (Ovar).À chegada a Aveiro, António Guterres tinha à sua espera duas pequenas manifestações: uma de trabalhadores do sector das duas rodas, que exigem uma solução rápida para os problemas da Famel e da Casal; e outra, menos numerosa e também mais discreta, de alunos do ensino secundário em desacordo com a anunciada reforma curricular projectada pelo Ministério da Educação. Guterres tratou dos sindicalistas e trabalhadores, enquanto o ministro Jorge Coelho, com bonomia, sossegou os estudantes. Chegado ao local onde iria decorrer a assinatura do contrato de concessão da SCUT da Costa de Prata, Guterres foi direito aos manifestantes. Em tom ameno, explicou-lhes que o seu gabinete segue "com grande preocupação" a situação nas duas empresas, garantindo que será encontrada em breve uma solução. Quando os trabalhadores se queixaram de que o "projecto de reestruturação do sector de duas e três rodas", que pode salvar os postos de trabalho da Famel e da Casal, não tinha sido aceite pelo secretário de Estado adjunto do ministro da Economia, o governante limitou-se a pedir paciência. "Está a ser estudada uma solução", garantiu. E, para convencer de vez os manifestantes, deixou uma afirmação no mínimo estranha: "Têm que concordar que não deixa de ser uma surpresa que o primeiro-ministro conheça o vosso caso em pormenor; não haverá muitos primeiros-ministros que conheçam casos semelhantes em detalhe". E pronto. Mais tranquila ainda foi a missão de Jorge Coelho. Sempre com um sorriso, foi perguntando aos alunos se conheciam os fundamentos da reforma curricular contra a qual protestavam. "Então, mas vocês não estão informados?", ia dizendo o ministro perante as respostas titubeantes, sem desfazer o sorriso. Antes de se juntar ao primeiro-ministro, a quem contou com riqueza de pormenores a conversa com os estudantes, Coelho ainda deixou um conselho "à rapaziada": "Divirtam-se, hein! E nada de faltar às aulas!".
Este texto sintetiza toda a problemática das SCUT: muita obra, pouca preocupação com quem há-de pagar. Em 2000, o "distante" ano de 2005 ainda não se vislumbrava e quem viesse que se desenrascasse. E quem veio somos nós, os mesmos de 2000! Oh que inesperada constatação, afinal não há mesmo almoços grátis.
Recém-chegado ao governo em 2005 e com uma maioria absoluta, o que decide José Sócrates fazer? Corrigir o erro das SCUT que o ex-primeiro-ministro e seu colega partidário António Guterres havia feito? Ou mitigar o problema, protelando-o para outra altura? A opção pela via fácil da segunda opção está à vista de todos, patente nesta discussão que agora continua. Pior, invocando outras razões (como essa da agilização do processo de verificação dos seguros automóveis!), o governo aprovou legislação que, segundo a CNPD, "padece de insuficiências relativamente aos princípios de tratamentos dos dados pessoais".
E o que têm feito os nossos governantes entretanto?
- O PS de Guterres criou o problema em 2000
- O PSD fez de conta que não o viu entre 2002 e 2005
- O PS de Sócrates resolveu aumentar os impostos em 2005 para suportar o aumento da despesa
- Novamente, o PS de Sócrates lançou as bases para cobrar portagens nas SCUT (com o chip) mas sem a coragem de assumir que era isso que estava a querer fazer
- Por fim, hoje o PS de Sócrates queixa-se de coligação negativa depois de anos a assobiar para o lado e agora lançar as portagens de forma destrambelhada.
O que é que deveria ter sido feito? Para já, não se ter lançado as SCUT, optando pela normal forma de contratação, mais lenta mas mais barata para o Estado (ver gráficos em baixo). Estando o mal feito, deviam os governos ter introduzido portagens com a maior das brevidades. Finalmente, as vias alternativas não devia ter sido substituídas.
E agora? Que por uma vez se deixe de fazer as coisas em cima do joelho. Abandone-se essa ideia peregrina dos chips e cobrem-se as portagens como já se faz nas actuais auto-estradas. O PS teve de 2005 até agora para implementar isto com calma e não o fez por calculismo. Não tem por isso agora legitimidade para impor uma solução rápida à custa de perda de privacidade com os chips. Azar.
Os dois textos seguintes (do blog Grande Loja do Queijo Limiano) dissertam sobre o custo das SCUTS, comparadas com o tradicional modelo de auto-estradas e, no segundo texto, apresenta-se uma explicação alternativa para o aumento de impostos em 2005.
As SCUTs...e o amanhã ?
Quarta-feira, Dezembro 15, 2004As Scuts ou Shadow Tolls, termo técnico inglês que define um sistema de portagens sem custos para o utilizador, foi introduzido em Portugal sob a égide do Eng.º Guterres, e numa lógica que rompe com o modelo até então definido para a construção/exploração de vias rápidas e auto-estradas em Portugal.
Para que não fiquem dúvidas, defendo o princípio do utilizador-pagador mas reconheço nas Scuts alguns méritos assim como algumas críticas, sobretudo no campo da execução financeira, e dos riscos associados.Como diz implicitamente e bem o blog Irreflexões , a sociedade portuguesa, das SCUTS, apenas conhece o seu efeito visível e de impacto monetário nos bolsos do contribuinte que quando utiliza a auto-estrada, paga ou não.
Discutir de uma forma coerente as SCUTS, é assim relativizar sobre os seus custos e raramente a sociedade portuguesa tem sido colocada à prova, com questões sobre a verdadeira utilidade em termos de criação de riqueza nacional com estradas sejam elas SCUTS ou não, e se hoje estar na moda é ser contra as SCUTS ou a favor delas, ao menos que nos expliquem a nós, algo mais do que o conceito associado.
O processo SCUT não é mais que uma vã tentativa de se erguer obra sem possuir recursos financeiros para tal alongando no tempo esses custos, diluídos de uma forma que extravasa o modelo tradicional, através de um mecanismo de cobrança virtual com um ponderador de flutuação de tráfego no futuro e com fortes restrições durante o período da concessão na construção e beneficiação de vias principais adjacentes.Em primeiro lugar e porque falamos de estradas, importa perceber qual era e qual é hoje a verdadeira necessidade de construirmos auto-estradas de uma forma alargada e extensível a todo o país. Serão as estradas, elemento hoje indispensável ao desenvolvimento do país.
Foram-no de facto na década de 80, quando nem entre Lisboa e Porto, a ligação estava completa. Hoje e para uma país pequeno como o nosso, quer em dimensão quer em economia, o retorno que se obtêm pelo investimento público é algo que vem sendo mais difuso, face as externalidades que lhe estão associadas.Logicamente que se deve continuar a investir em estradas, mas e atendendo ao quadro abaixo :
Percebemos que as SCUTS são mais caras, custo esse que se repercute a longo prazo, ao invés do modelo tradicional. O exemplo gritante é a SCUT da Beira Interior, onde a mesma estrada custa sensivelmente mais 600 milhões de euros em regime SCUT do que efectuada em forma tradicional.
Dando uma vista de olhos em gráficos das três Scuts citadas, chegamos à seguinte conclusão :
- Scut da Beira Interior
- SCUT da Costa de Prata
- SCUT do Algarve
As SCUTS na sua versão original deveriam ser vistas como uma forma de discriminação positiva, mas transformaram-se num autêntico elefante branco e a pagar em vários anos.
Em segundo lugar, um dos argumentos mais utilizados para defender as Scuts, passa pela capacidade ou não do Estado possuir recursos e/ou restrições orçamentais que lhe permitam efectuar a obra. Por outras palavras, se a obra tiver mesmo que ser realizada, o que o regime SCUT permite é fazer a obra, sem onerar no imediato mas sim onerando a longo prazo.Assim e no caso português, qualquer tentativa de análise que envolva o Estado Português não é exequível, uma vez que o Estado não possui capacidade para se endividar em tal grandeza.
Pior, parece ser o facto de como atesta o quadro abaixo, e recordo apenas para as três SCUTS acima indicadas, o Estado português ter que dispender, nos períodos assinalados os seguintes montantes:O quadro acima mostra-nos que no período de 2011-2015, o Estado terá que pagar pelas SCUTS mais 155 Milhões de Contos do que se optasse pelo regime tradicional. Por outras palavras o Estado terá que "arranjar" no período 2011-2015 cerca de 750 milhoes de euros em receitas acrescidas para suportar o custo das SCUTS.
Parece-me a mim evidente, que a aceitação pública do dever de pagar de impostos apesar de depender em elevado grau da demonstração da qualidade das despesas que o esforço dos contribuintes permite ao Estado realizar, não pode servir como argumento para que se realizem obras desta envergadura e com este impacto financeiro futuro, sem pelo menos acautelar os riscos que lhes estão associados.
Ora, tal pensamento, ainda se torna mais relevante quando as SCUTS acarretam despesa pública.Em terceiro lugar, o maior erro no projecto SCUTS, passa pelo impacto no rebatimento da estratégia do Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (PNDES) sobre o domínio da política de acessibilidades.
Quando em 1996 começou a ser discutido, e quando cedo se percebeu que a alta qualidade em domínio de transportes requerido como o TGV, um novo aeroporto e novas estradas, tal investimento não se coadunava com o método tradicional de disponibilização de serviços públicos de mobilidade implicando a realização de grandes infra-estruturas num curto período de tempo.
Ora, para um país como o nosso que só hoje discute o projecto TGV e que aparentemente adiou o novo aeroporto, porque que razão decidiu em 1996 , construir cerca de 1.100 kms em regime SCUT ?Em quarto e último lugar, os riscos associados ao regime SCUT não são assim tão despreziveis quanto pareça.
- Risco de flutuação de tráfego
- Risco associado à construção
- Risco associado ao rendimento obtido nas SCUTS
- Risco Político que determine o rendimento nas SCUTS
Como já por aqui falamos, o Estado ao enverdar pelas SCUTS, está a criar o elefante “Lusoponte II“. Assumindo contratualmente a responsabilidade de que por ano passarão por determinada estrada um determinado número de automóveis. Ora isto induz nas restantes redes viárias controladas pelo Estado e sobretudo naquelas que possam surgir como alternativas, um natural desleixo do Estado na sua manutenção, por forma a induzir os condutores a entrarem nas SCUTS.
Um dos dilemas do governo de António Guterres, na pessoa de João Cravinho, era porque razão não há apenas concessão com portagem real. Isto é, porque razão deve o Estado-melhor, a generalidade dos contribuintes dentro da mesma geração – substituir-se aos utilizadores no pagamento dos serviços rodoviários prestados?
A resposta parece ser simples. Os contribuintes dentro da mesma geração e sobretudo e mesmo admitindo que os contribuintes da próxima geração sejam mais ricos que os da geração actual, não podem de forma alguma financiar via orçamento geral de Estado algo que não só não gera rendimento duradouro para a sociedade, como compromete no futuro investimentos esses sim necessários em devida altura.
Mesmo que seja defensável o investimento em estradas, não é da forma em que gerações futuras ficarão com um encargo enorme, sem terem sido elas as responsáveis por tal decisão.Poderemos dizer porque razão hão-de as gerações de hoje pagar por utilizações que servirão as gerações futuras ?
A resposta é dada no mesmo sentido, porque hão-de as gerações de amanhã pagar pelos erros dos governantes de hoje ?
Publicado por António Duarte 17:41:00
para que servem as maiorias absolutas (II)
Sexta-feira, Maio 27, 2005
(...) Admita-se de barato que o dinheiro é preciso, Sócrates, assessorado pelos seus magos da propaganda, achou politicamente mais sensato massacrar todo um país com um aumento de impostos que comprar uma "guerra" passageira e localizada em meia dúzia de locais abragidos pelas SCUTs. Estranhamente esta decisão de aumentar os impostos sendo de facto eleitoralista (as luminárias do PS acham que diluindo o descontentamento homogeneamente por todo o País perdem menos que focando-o nas zonas onde há SCUTs) é das mais imbecis de todos os tempos. (...)
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