Globalização ou pirataria económica?
Esta é uma etiqueta dum produto comprado em Portugal numa loja dum grupo francês, importado por uma empresa espanhola, produzido na China.
Custou 36 € e se, depois de retirado o IVA, se se cortar sempre em metade o valor do produto ao longo do respectivo ciclo de vida, desde o momento da venda até chegar à mão de obra que o produziu, obtêm-se valores desta ordem de grandeza:
Valor inicial | Parcela a abater no valor do produto | Valor a transportar | % sobre o preço sem IVA |
36 | 21% de IVA = 5.46 | 30.54 | -- |
30.54 | margem da loja portuguesa = 15.27 | 15.27 | 50.00% |
15.27 | margem do importador espanhol = 7.64 | 7.63 | 25.02% |
7.63 | margem do intermediário chinês = 3.82 | 3.81 | 12.51% |
3.81 | margem do produtor = 1.91 | 1.9 | 6.25% |
1.9 | matérias primas = 0.95 | 0.95 | 3.11% |
0.95 | mão de obra=0.95 | 0.00 | 3.11% |
Ou seja, este produto de 36 € teve, eventualmente, um custo de produção de 3.81 €, custos de distribuição acumulados de 11.46 € (15.27-3.81) e um custo de venda de 15.27 €. Contribuiu ainda com 5.46 € em IVA para o Estado português e em 0.95 € para o salário de algum Chinês de alguma fábrica de têxteis chinesa.
Dito de outra forma, o preço final do produto, sem IVA, teve origem em:
- venda: 50%
- distribuição: 37.52 %
- produção: 9.36%
- mão de obra: 3.11%
T-shirt com preço de venda de $100
- marca e retalhista: $75 (inclui design, implantação da marca, marketing, outras despesas e lucro)
- matéria prima: $10
- custos da operação fabril: $5 (inclui $1.75 para mão de obra)
- quotas/impostos: $5
- lucros do importador: $4.5
- transportes: $0.5
A globalização não trouxe preços no consumidor significativamente mais baixos e, por comparação com o preço final do produto, pouco aumenta a riqueza do país produtor. Por outro lado, no país onde o produto é vendido, a industria local fecha por incapacidade de competir (não esquecer que a grande fatia dos lucros ficam no canal de venda, logo o preço de venda no produtor é baixo).
Se os consumidores e os produtores não são os ganhadores deste modelo económico, a quem interessa portanto a globalização? Unicamente aos intermediários. Portanto, quando ver, ouvir ou ler alguma notícia sobre a inevitabilidade da globalização, procure entender a que grupo económico essa pessoa está ligada ou a qual tem afinidade. A minha aposta é que, de alguma forma, ganha dinheiro com a distribuição.
A globalização é um modelo em que a riqueza de dois países, o consumidor e o produtor, é canalizada para o grupo económico que faz os produtos dum chegar ao outro, à conta duma pequena redução no preço de venda ao público e dum pequeno aumento de riqueza da mão de obra de alguns países.
Mas no longo termo a situação é insustentável, é preciso disso ter-se consciência. Para onde caminhamos, portanto? E que alternativas se vislumbram?
Notas:
- Este texto olhou a questão da globalização sob a perspectiva dos têxteis mas outras áreas podiam ser igualmente abordadas com semelhantes conclusões.
- Sweatshops (tradução literal: oficinas de suor) - termo pejorativo frequentemente usado para descrever unidades produtivas que pressionem ou forcem os empregados a trabalhar durante períodos inaceitavelmente longos, como seria o caso de trabalhos penais forçados ou de escravatura.
- Em Portugal existe uma lei que diz que todos os produtos cá vendidos devem obrigatoriamente ser etiquetados e conter instruções em português. Como com muitas outras das nossas leis, esta existe para o papel, pois o seu incumprimento é prática habitual e a fiscalização inexistente.
- http://www.sweatshopwatch.org/index.php?s=82
- http://www.sweatshopwatch.org/media/powerpoint/China_overview.ppt
- http://environment.yale.edu/posts/downloads/o-u/SAGE_11-28-3.pdf
- http://en.wikipedia.org/wiki/Sweatshop
Aqui no Brasil as coisas funcionam da mesma forma (viva a globalização, e a tributação).
No meu estado a maioria das indústrias têxteis fechou ou teve séria redução na produção por conta da falta de competitividade com os importados da china.
Recentemente, em São Paulo, fecharam um dos maiores centros de produtos contrabandeados, onde se podia adquirir muitas coisas a preços justos.
Mais justos do que o nosso maldito presidente obriga a praticar, tributando excessivamente a indústria local e isentando em impostos quem tem parque industrial com mais de 80% da produção voltada ao mercado internacional.
A lógica burra.
Enquanto isso se eu quiser comprar um importado "legal" terei que pagar mais que o dobro.
Apreciei muito este "estudo". Embora de modo ligeiro - como teve o cuidado de avisar - esclarece algo que anda muito nebuloso nas nossas cabeças. Sobretudo para quem vive "nas letras" e tem tendência para esquecer estes pormenores da vida quotidiana - é o meu caso, com demasiada frequência...
O problema das etiquetas é um dos que a ASAE devia controlar, mas isso mexe com grandes cadeias de comercialização e sempre é mais fácil atacar nas feiras. Facilitismo com alguma cobardia pelo meio.
Interessante tema