A ASAE, a petição e os azeites desta instituição
Afinal são mitos, tudo é falso. Ou não será bem assim? É o que vamos ver ponto a ponto.
- As bolas de Berlim podem ser vendidas nas praias desde que «esteja garantida a sua não contaminação ou deterioração». E como nós bem sabemos que àquele creme tingido de amarelo-ovo basta um ar de mar para o finar, o melhor mesmo será que as ditas bolas venham da pastelaria embaladas em recipiente isotérmico e com mecanismo de produção de frio. Uma vez que quando se está na praia o sol abunda e até para ajudar ao cumprimento do protocolo de Quioto, em vez de usar pilhas até pode este contentor ser alimentado a painéis solares.
- Também o uso de colheres de pau não é proibido na restauração. Mas «os inspectores da ASAE aconselham os operadores a optarem pela utilização de utensílios de plástico ou silicone». Certo... Pode, mas não deve. Mas pode. Mas não deve. Isto soa-me familiar...
- Quanto aos copos de plástico para café ou outras medidas, «não existe qualquer diploma legal, nacional ou comunitário, que imponha restrições nesta questão». Gostava então de saber de onde emanou tamanha idiotice.
- Já sobre as castanhas assadas, elucida-nos este comunicado que «na embalagem ou acondicionamento de produtos alimentares só pode ser usado papel ou outro material que ainda não tenha sido utilizado e que não contenha desenhos, pinturas ou dizeres impressos ou escritos na parte interior». Não existe, portanto, problema algum desde que as castanhas sejam vendidas em jornais sem conteúdo impresso, o que logo à partida qualifica considerável parte da nossa imprensa. Folhas de lista telefónica que tenham sido propositadamente deixadas em branco também podem ser usadas, apesar de a elas habitualmente nos referirmos pela designação "resma de papel A4".
- «Não sendo requisito legal, é uma boa prática a utilização de facas de cor diferente, pois esse procedimento auxilia a prevenção da ocorrência de contaminações cruzadas. Mas se o operador cumprir um correcto programa de higienização dos equipamentos e utensílios, entre as diferentes operações, as facas ou outros utensílios poderão ser todos da mesma cor.» Ou seja, pode-se usar uma única faca desde que seja esterilizada entre cada utilização. E acho muito bem. Era o que me faltava que a minha sobremesa de queijo com marmelada trouxesse restos de queijo na marmelada ou restos de marmelada no queijo.
- Azeite no galheteiro é mesmo proibido. «O azeite posto à disposição do consumidor final, como tempero, nos estabelecimentos de restauração, deve ser embalado em embalagens munidas com sistema de abertura que perca a sua integridade após a sua utilização e que não sejam passíveis de reutilização, ou que disponham de um sistema de protecção que não permita a sua reutilização após o esgotamento do conteúdo original referenciado no rótulo.» A mim parecia-me natural que a preocupação incidisse na qualidade do produto, em vez de na embalagem. Mas tenho que dar a mão à palmatória. Já viram o disparate que seria os inspectores da ASAE terem que andar de restaurante em restaurante a provar o azeite com pedacinhos de pão? Como é que eles iam conseguir manter a linha? E se enjoassem o azeite e preferissem antes um naco de presunto e um copito de vinho? A não ser claro, que se analisasse em laboratório amostras desse azeite, como forma de garantir a qualidade do produto servido.
- O brinde no bolo rei é piroso, pouco me importando que seja ou não proibida a sua inclusão. Não sendo o caso do bolo rei, no geral considero até que a venda de comida com brindes é mau princípio. Comida é comida, brincadeira é brincadeira. Misturando ambas, sobra por outro lado espaço para psicólogos virem falar de desordem alimentar. Ou seja gera emprego, o que dá jeito, face à dificuldade em se chegar aos tais 150,000 novos postos de trabalho até 2009.
- Parece que o pão velho para as açordas se junta ao grupo dos copos de plástico no que se refere ao disparate. Estaremos perante um caso de imaginação demasiado fértil ou não havendo legislação faziam os fiscais da ASAE jurisprudência?
- Quanto a ir buscar uma couve à horta para fazer um caldo verde para servir no restaurante, é possível que seja mesmo proibido. O fornecimento directo pelo produtor só não se aplica a «pequenas quantidades de produtos de produção primária» mas acontece que o legislador "esqueceu-se" de definir o conceito de "pequeno". Na dúvida, o melhor mesmo é proibir tudo...
- As refeições servidas num restaurante não poderão «ser provenientes do domicílio do proprietário do restaurante ou de um estabelecimento que careça de autorização para a actividade que desenvolve». Tal como no caso dos azeites, não importa se têm qualidade ou não. Precisa, isso sim, da licençazinha, a qual, depois de pagas as devidas taxas, confere automaticamente qualidade aos produtos. Ainda bem, porque a ASAE tem mostrado mais vocação em verificar a aplicação de regulamentações do que em analisar o bom estado dos produtos disponibilizados ao consumidor.
- O mesmo princípio da licença parece aplicar-se à «venda particular de bolos, rissóis e outros alimentos confeccionados em casa». Começo a depreender que a Segurança Alimentar e Económica da ASAE é mais sobre a exequibilidade de cobrar os impostos nas actividades alimentares. Não tem licença (leias: não pagou a licença), não pode vender.
- Quanto ao «licenciamento da actividade artesanal», bom... é mesmo uma questão de licenciamento. Ah, sim e de cumprimento de normas de segurança alimentar. E de recomendações como a de usar facas com cores distintas. Lógico, sem dúvida.
Ora, o que concluímos depois de ler esta dúzia de parágrafos do comunicado da ASAE? Que apenas duas situações (os copos nas esplanadas e o uso de pão velho para fazer açorda) são de facto erradamente apontadas como os tais "excessos da ASAE". Já quanto às outras dez, ou são de facto proibições ou fortes recomendações, daquelas em que entra o fiscal a dizer ao proprietário "olhe que era melhor passar a ter na sua cozinha uma faca de cada cor"... Um comunicado, portanto, para desmentir duas questões.
Regras são necessárias, disso ninguém duvidará. Mas claras, simples e de fácil aplicação e fiscalização. Além disso, como consumidor, preocupo-me bem mais em saber se os ovos da minha omeleta têm salmonelas do que se vieram da capoeira do dono do restaurante ou duma unidade industrial devidamente credenciada. E isto faz-se recolhendo amostras para análise da comida servida.
Duvido imenso que quem critica a ASAE, não será pelo menos o meu caso, tolere a existência de baratas na cozinha do restaurante que frequente. Mas nas operações em que as televisões foram convidadas a fazer directos temos visto estabelecimentos serem fechados por razões desta índole?
Atendendo ao mau aspecto com que geralmente encontramos as instalações sanitárias, o sabor e cheiro a velho dos óleos usados para fritar e o chão com frequência sujo, só para citar alguns exemplos, temos que concluir que a ASAE devia ter inclusivamente uma acção mais contundente. No entanto, "restaurante fechado porque o autoclismo não funcionava" não faz grande parangona, pois não?
Nomeação "Diz que até não é um mau blog"
http://pontossoltos.blogspot.com/2007/12/diz-que-at-no-um-mau-blog.html
:-D
Boas Festas