A misteriosa velha senhora
Aprecio a forma como a escritora enrolava as histórias, apresentando soluções coerentes, enredos interessantes e dissertando sempre algo sobre a condição humana.
Sobejamente conhecidas são as histórias de Hercule Poirot e de Miss Marple, ambas já disponíveis em DVD, depois de, também, já terem passado pela TV. Menos conhecidas, no entanto, são as histórias de mistério. A última delas que li foi Passenger to Frankfurt, tendo agora numa googlada encontrado até um PDF da versão portuguesa. A história foi escrita em 1970, com o incontornável Maio de 68 ainda a escaldar e aborda o tema de que interesses fizeram estas movimentações acontecerem. Fez-me reflectir que as pessoas com a idade ganham sabedoria e, nesta história, Agatha Christie não se fez rogada na partilha.
Ironicamente, a história Passenger to Frankfurt incide precisamente no tema da juventude, cheia de ideais e de força, como um exército a precisar da orientação certa. Transcrevo algumas passagens que considero geniais (edição brasileira). Já agora, não esquecer: mesmo que plausível, esta história é ficção!
Lady Matilda sobre uma certa agitação mundial. Referências prováveis ao Maio de 68 e aos movimentos similares da altura.
«Eles — sejam eles quem forem —trabalham através da juventude. Da juventude de todos os países. A juventude impetuosa. A juventude que canta seus lemas, lemas que parecem emocionantes mas que geralmente ela não sabe o que querem dizer. E tão fácil começar uma revolução. E isso é natural para a juventude. Todos os jovens sempre se rebelam. Você se rebela, você quer depor o governo, você quer que o mundo seja diferente do que é hoje. Mas você está cego também. Há uma venda sobre os olhos dos jovens. Eles não podem ver aonde estão sendo levados. Que vai acontecer depois? Que está em frente deles? E quem está por detrás, instigando-os? É isto que é realmente assustador. Você sabe que alguém está na frente levando o capim fresco para fazer o burrinho avançar e ao mesmo tempo está por detrás fustigando-o com um chicote.»
Lady Matilda sobre os políticos
«— Sim, não se pode confiar em ninguém. Não se pode contar para qualquer pessoa. Não passe adiante para esses idiotas do Governo ou que têm conexões com o Governo ou que esperam participar do Governo quando esses que estão lá por cima se forem. Os políticos não têm tempo de olhar para o mundo em que vivem. Olham apenas para a região em que vivem e a vêem como uma vasta plataforma eleitoral. Eles se contentam com isso por enquanto. Fazem coisas que honestamente acreditam que tornarão a vida melhor mas se surpreendem quando essas coisas não agradam, porque não eram as coisas que o povo queria que fizessem. E não se pode deixar de chegar à conclusão de que os políticos pensam que têm o divino poder de contar mentiras, desde que seja por uma boa causa. »
Jamie sobre as forças e quem as controla
«— Se acontecem certas coisas no mundo, você precisa procurar uma causa para elas. Os sinais exteriores são sempre facilmente visíveis, mas eles não são [...] importantes. Sempre tem sido da mesma forma. Tome por exemplo uma força natural, uma grande queda dágua lhe dará a potência de uma turbina. Veja a descoberta do urânio a partir da pechblenda, e isto lhe trará, no devido tempo, a força nuclear com que nunca sonhamos ou soubemos existir. Quando se encontra carvão ou minerais, eles lhe dão transportes, força, energia. Existem sempre forças trabalhando que lhe fornecem certas coisas. Mas atrás de cada coisa há alguém que a controla. É preciso encontrar quem está controlando os poderes que lentamente ganham ascendência em praticamente todos os países da Europa, e mais longe ainda em diversas partes da Ásia. Menos possivelmente na África, mas novamente nos continentes americanos tanto do Norte como do Sul. É preciso estarmos por dentro das coisas que estão acontecendo para descobrirmos qual a força motriz que as estão fazendo acontecer. Uma delas é o dinheiro. »
Jamie sobre os padrões das rebeliões
«E há ainda o que podemos chamar de tramas. São palavras que usamos muito ultimamente! Tramas ou tendências... há inúmeras palavras que usamos. Elas não querem dizer sempre a mesma coisa, mas estão relacionadas umas com as outras. Uma tendência, poderíamos dizer, para a rebelião está aparecendo. Olhe para trás, para a história. Você encontrará isto aqui e ali, repetindo-se periodicamente, repetindo-se nos mesmos moldes. Um desejo de rebelião. Um sentimento de rebelião, os meios de rebelião, as formas que a rebelião toma. Não é nada em particular com nenhum país em particular. Se surge em um país, surgirá em outros mais ou menos da mesma forma. [....]»
«— É um padrão, um padrão de vida que surge e que parece inevitável. Podemos reconhecê-lo onde o encontramos. Houve um período em que o ímpeto para as cruzadas varreu os países. Por toda a Europa as pessoas embarcavam para libertar a Terra Santa. Muito claramente, um padrão perfeitamente definido de um determinado comportamento. Mas por que eles iam? É este o interesse da história, o senhor sabe. Vendo aonde esses desejos e esses padrões de vida aparecem. Não é sempre uma resposta materialista assim. Todos os tipos de coisas podem causar rebeliões, um desejo de liberdade, liberdade de expressão, liberdade de cultos religiosos, novamente uma outra série de padrões muito relacionados. Pode levar as pessoas a escolher a emigração para outros países, à formação de novas religiões, freqüentemente tão repletas de tiranias como as formas de religião que deixaram para trás. Mas em tudo isto, se se olhar duramente, se se fizerem as investigações necessárias, você pode ver o que foi que deu origem à investida desses e de muitos outros — e eu usarei a mesma palavra — padrões. De certa forma é como uma doença provocada por vírus. O vírus pode ser levado, pelo mundo afora, através dos mares, por cima das montanhas. Pode se propagar e contaminar. E aparentemente se propagar mesmo que não tenha sido posto em movimento. Mas ninguém pode ter certeza, mesmo agora, de que isso seja sempre verdade. Pode haver causas. Causas que fazem as coisas acontecerem. A gente pode ir adiante. Há pessoas. Uma pessoa, dez pessoas, algumas centenas de pessoas que têm capacidade para movimentar uma causa. Desta forma não é para o processo final que temos de olhar, mas para as primeiras pessoas que lançaram a causa em movimento. Você teve os seus cruzados, teve os seus entusiastas de religião, teve os seus desejos de liberdade, você teve todos os padrões mas você deve olhar mais para trás ainda. Deve penetrar no âmago da questão. Por detrás dos resultados materialistas, existem idéias, visões, sonhos. O profeta Joel já o sabia quando escreveu: — "Os homens velhos sonharão sonhos, os jovens terão visões". E destes dois, qual o mais poderoso? Os sonhos não são destrutivos. Mas as visões podem abrir novos mundos para você e as visões podem também destruir os mundos que já existem... »
Sobre as máscaras na política
«Na sala de reuniões do N° 10 na Downing Street, o Primeiro-Ministro, Sr. Cedric Lazenby, estava sentado à cabeceira da mesa e olhava para seus oficiais de Gabinete sem nenhum prazer. A expressão de seu rosto era definitivamente sombria, o que de certa forma proporcionava-lhe um certo alívio. Estava começando a pensar que apenas na intimidade de sua sala de reuniões podia descansar seu rosto com uma expressão infeliz, abandonando aquela que presentemente usava perante o mundo: um sábio e animado otimismo que tão bem lhe servira nas várias crises políticas de sua vida. »
Muito obrigado pela indicação.
Quanto aos modernos movimentos estudantis europeus, julgo que foram os portugueses que os iniciaram, em 1962.
Canta Collete Magny, por essa altura: «Mais c'est à Lisbonne, au Portugal...»
Collete Magny? Ah, hei-de seguir essa pista.