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O desmoronamento da justiça - 3

Vai hoje a votação a lei sobre o cibercrime. O Público destaca a pena máxima para quem venha a ser condenado por produção e difusão de vírus informáticos (10 anos). Mas esse é o aspecto inócuo da lei. A parte preocupante consiste na novidade da polícia poder fazer buscas «sem prévia autorização da autoridade judiciária».

Sobre este assunto, republico o texto seguinte onde abordo esta questão.

O desmoronamento da justiça - 2
De acordo com a TSF, "uma fonte do Ministério da Justiça disse à TSF que vai continuar a ser necessária uma autorização judicial antes de serem feitas buscas a dados informáticos."

Bom, leis não é de todo a minha área profissional, apesar desta legislação entrar no que me diz respeito, a informática. Talvez por isso, a leitura da referida proposta de lei (ver a seguir) não foi complicada. Em todo o caso, posso afirma sem errar que a fonte do Ministério da Justiça não contou a história toda, como demonstrarei mais à frente.

Um leitor do DN, aparentando conhecimento substancial da AR e da respectiva lei, teve a amabilidade de indicar o link para a proposta de lei que o Governo pretende aprovar e que supostamente prevê a possibilidade das polícias fazerem "escutas" informáticas sem prévia autorização de juiz:

Proposta de Lei 289/X
Aprova a Lei do Cibercrime, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro nº 2005/222/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o Direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa



Alguns aspectos do preâmbulo previsto para a lei:
Importa assim superar o actual regime, de modo a fornecer ao sistema processual penal normas que permitam a obtenção de dados de tráfego e a realização de intercepções de comunicações em investigações de crimes praticados no ambiente virtual. É o que se pretende fazer por via da lei que agora se propõe.
É alterado o conceito de «sistema informático», que passa a ser mais abrangente, incluindo-se nele, por exemplo, dispositivos como os telemóveis
A propósito da competência jurisdicional, a Convenção prevê uma inovação face ao que já resulta dos artigos 4.º e 5.º do Código Penal, traduzida na obrigação de os Estados signatários se declararem competentes para prosseguirem criminalmente, independentemente do local da prática dos factos, os seus cidadãos nacionais, se a infracção for punível no local onde foi cometida ou não for da competência de nenhum Estado. Apesar de esta solução não estar anteriormente consagrada na lei portuguesa, já se prevê, para certos crimes a competência universal da lei portuguesa.
No âmbito das disposições processuais (...) foi introduzido o mecanismo da injunção (...)
Foram ouvidos a Procuradoria-Geral da República, o Conselho Superior de Magistratura e a Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Foi promovida a audição da Ordem dos Advogados.
Deve ser desencadeada a audição do Conselho Superior do Ministério Público.

O sumo da lei proposta está no Capítulo III. Em particular, o artigo 17, número 3, alínea a) diz:
3 - O órgão de polícia criminal pode proceder à pesquisa, sem prévia autorização da autoridade judiciária, quando:
a) A mesma for voluntariamente consentida por quem tiver a disponibilidade ou controlo desses dados, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado;

O que significa isto? Imaginemos esta situação:
  • a polícia pede à PT que esta lhe ceda os dados de tráfego, ao abrigo da lei xxx, artigo 17, número 3, alínea a)
  • os dados a fornecer pela PT permitirão à polícia a identificação de alguém bem como detalhes de tráfego (conteúdo de mensagens, datas, horas, origem, destino, etc.)
  • a PT concorda colaborar voluntariamente e dá os dados
Neste contexto, sendo a PT quem tem a disponibilidade e controlo destes dados, pode consentir a sua consulta. Está tudo legal. A parte aborrecida nisto é que o cidadão zzz verá a sua privacidade violada sem que um juiz autorize a acção policial.


O artigo 21º aborda, entre outros aspectos, a protecção dos direitos de autor:
Artigo 21.º
Acções encobertas
1 - É admissível o recurso às acções encobertas previstas na Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto, nos termos aí previstos, no decurso de inquérito relativo aos seguintes crimes:
a) Os previstos na presente lei;
b) Os cometidos por meio de um sistema informático, quando lhes corresponda, em abstracto, pena de prisão de máximo superior a cinco anos ou, ainda que a pena seja inferior, e sendo dolosos, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual nos casos em que os ofendidos sejam menores ou incapazes, os crimes previstos nos artigos 218.º, 221.º e 240.º do Código Penal, bem como os crimes consagrados no Título IV do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
2 - Sendo necessário o recurso a meios e dispositivos informáticos observam-se, naquilo que for aplicável, as regras previstas para a intercepção de comunicações.

Ligando este artigo com o anterior cenário da PT colaborar voluntariamente com a polícia para fornecer dados de tráfego, está criado o mecanismo que permitirá uma forma expedita de controlar os downloads de música e vídeo, sem necessidade de intervenção dos tribunais.

Nos últimos meses tem havido uma intensa actividade de lobby por parte da industria do audiovisual. Basta ver a quantidade de artigos que tem saído no DN e no Público e nas movimentações no Parlamento Europeu que quase levaram à aprovação do polémico pacote de telecomunicações. Faz-me pensar sobre as verdadeiras motivações desta lei aparecer neste momento concreto. Servirá ela para defender os interesses dos cidadãos ou da industria do audiovisual?


2 comments :

  1. Pata Negra disse...
      Este comentário foi removido pelo autor.
  2. Pata Negra disse...
     

    Isto é, mais ou menos, como a guerra entre os israelitas e os palestinianos: eles podem ter superioridade militar mas nós temos as pedras. Nunca irão vencer e medida, após medida, vão demonstrando onde nasce a razão.
    Um abraço de autor sem direitos

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