a política na vertente de cartaz de campanha

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«Lembra-se do que se falava nas eleições de 2005?»

Este texto de Paulo Paixão no Expresso é uma delícia e vale a leitura completa. Aqui fica para memória futura.

Lembra-se do que se falava nas eleições de 2005?

Há os que nunca saem da crista da onda, mas em certos casos quatro anos é muito tempo: perdeu-se o rasto a certos temas, figuras e slogans de 2005. Embora ainda seja cedo para comparações definitivas, pois falta a semana mais renhida.

Fevereiro de 2005 foi o mês em que, a reboque de boatos, a vida privada de um líder partidário (o actual primeiro-ministro) foi discutida publicamente, quase sempre a partir de insinuações e de meias palavras.
José Sócrates foi alvo de mais arremessos. Luís Nobre Guedes, então ministro, apelou a uma espécie de espera. "Coimbra devia 'levantar' à rua e esse senhor não devia entrar", disse. A co-incineração incendiava os ânimos. Mas Paulo Portas interveio, desautorizando o seu lugar-tenente, e as milícias nunca entraram em acção. O tema da queima de resíduos saiu entretanto da praça pública, mas para todos os efeitos ficou um incitamento à perturbação da ordem pública.
Em 2005, com linhas tortuosas se coseu o debate. Por ora, nem sinais de campanha assim, negativa e destrutiva.
A lei sobre o aborto, tema fracturante por excelência, também saiu da ordem do dia. O facto ajuda a explicar a discrição da componente religiosa nesta campanha. Nas últimas legislativas, figuras da Igreja assumiram um protagonismo formal, com um abaixo-assinado em que além da interrupção voluntária da gravidez se pronunciavam sobre o casamento homossexual e a adopção de crianças.

Lembra-se do que se falava nas eleições de 2005?


Durão Barroso foi apoiante declarado do líder do PSD há quatro anos, com exibição em tempo de antena e tudo. Desta vez, Manuela Ferreira Leite não terá a mesma sorte.
Saído da liça está, para já, Freitas do Amaral. Em 2005, o ex-líder do CDS apoiou Sócrates, e viria a ser seu ministro. A transumância política em direcção à esquerda é rara e sempre notícia, pelo que a conversão do homem que um dia uniu toda a direita - do outro lado estava Mário Soares, no momento de maior clivagem política da história da democracia portuguesa, as eleições presidenciais de 1986 - irou ex-correligionários e agitou as águas.
Não foi o único empurrãozinho imprevisto, e insuspeito, dado por Freitas: aceitou prefaciar um livro do candidato do MRPP.
Nas últimas legislativas, o 'plano tecnológico' era a "prioridade" da campanha socialista. A expressão caiu em desuso. A medida não deu assim tantos frutos à escala industrial, mas gerou pelo menos uma flor, que povoa salas de aulas e algumas polémicas: o computador "Magalhães".
Geometrias eleitorais O que se ouviu bastante em 2005 e não se ouve agora são os apelos do PS a uma maioria absoluta. Se o pedido foi atendido pelos eleitores, o PSD teve sorte diferente. Um cartaz laranja apresentava Sócrates como discípulo de Guterres. "Quer mesmo que eles voltem?", inquiriam os social-democratas, mostrando o líder do PS ao lado de parte da chamada "tralha guterrista".

Lembra-se do que se falava nas eleições de 2005?


Um erro de cálculo: em primeiro lugar, os portugueses quiseram que "eles" voltassem - e logo por maioria absoluta. Em segundo lugar, se o engenheiro químico primava pela incapacidade de dizer 'não', o engenheiro civil é acusado pela razão inversa, a indisponibilidade para dialogar. Apesar de o primeiro-ministro temperar agora as coisas com 'delicadeza', Sócrates é o anti-Guterres. Mas cartaz por cartaz não foi este sequer o que marcou mais a campanha de 2005.
Os últimos são os primeiros. Há quatro anos, Cavaco Silva foi objecto de notícia do "Público" como tendo dito que apostava numa maioria absoluta de Sócrates. Cavaco negou tal propósito, mas o caso incendiou o PSD. Jardim falou mesmo de "expulsão do partido"... Desta vez, novamente através do "Público", nova agitação no binómio Cavaco-Sócrates, já não unicamente candidatos mas instalados nos dois lugares cimeiros da hierarquia do Estado: o 'caso das escutas'.
Em 2005, em plena campanha, irrompeu o 'caso Freeport'. Foi numa sexta-feira, 11 de Fevereiro. Esteve adormecido durante anos, mas foi acordado no início deste ano, a tempo de sobressaltar os últimos meses do mandato de Sócrates.
Sobressalto constante desta legislatura foi a relação do chefe do Governo com os media. Se Sócrates tem proveito da sua alegada irresistível tentação de controlar os media, isso são contas de outro rosário. Já a fama, essa, vem de longe.
Em 2005, quando Marcelo Rebelo de Sousa se preparava para iniciar a colaboração com a RTP, sectores socialistas movimentaram-se contra o púlpito concedido ao ex-líder do PSD. O candidato do PS à chefia do Governo disse: "O serviço público tem a obrigação de assegurar o pluralismo de opinião". Sabe-se como acabou a história: a António Vitorino foi dado um espaço equivalente.
A campanha aquece...

Lembra-se do que se falava nas eleições de 2005?


Ao social-democrata José de Matos Correia coube fazer de imediato a marcação cerrada ao líder do PS: "Se o engenheiro José Sócrates já envia recados quando é candidato a primeiro-ministro, imagine-se o que sucederia caso viesse mesmo a exercer essas funções?". Um alvitre muito premonitório.
A oito dias da ida às urnas, a discussão eleitoral - muito centrada em propostas e programas - prossegue em clima vivo, mas algo morno, face a desmandos de 2005.
Mas, à medida que o Verão se despede, a temperatura política sobe. Nos últimos dias - com o regresso da licenciatura de Sócrates e da mala de Preto para a compra de votos no PSD; desde há 24 horas com novo episódio das escutas e consequente aumento da tensão entre Belém e S. Bento -, a campanha aquece.
E quando a campanha aquece, sabe-se lá o que acontece.


Outros pontos

Figuras

Mário Soares
Em 2005, na véspera das eleições lançou o livro "A Crise. E Agora". Desde há semanas está nos escaparates a obra "Elogio da Política".
Alberto João Jardim
Da arca de Alberto João saiu há quatro anos o baptismo do "Sr. Silva" (referia-se a Aníbal, hoje chefe de Estado). Desta vez, do Atlântico sai uma pérola mais underground: "Fuck them...".
Garcia Pereira
Em 2005, teve ao lado Freitas do Amaral, que lhe prefaciou um livro. O poder de sedução de opostos do líder do MRPP continua intacto. Desta vez é António Pires de Lima, ex-bastonário dos advogados, o seu mandatário.

Sagrado

Morte da irmã Lúcia
Nas últimas legislativas, a presença da religião deveu-se em parte à morte da irmã Lúcia, uma semana antes das eleições. A direita suspendeu a campanha em memória da vidente de Fátima; a esquerda de todo.
Acusações de oportunismo
O tema acendeu ânimos. D. Manuel Martins, antigo bispo de Setúbal, insurgiu-se contra acções de mero "oportunismo político".
Homília polémica
Ainda em 2005, outro episódio controverso: o pároco da igreja de São João de Brito, em Lisboa, apelou aos fiéis para não votarem em quem defende o aborto, a eutanásia e os direitos dos homossexuais. A homilia foi transmitida pela Antena 1.

Profano

Carnaval em São Bento
Na terça-feira de Entrudo, Santana chamou os jornalistas ao palácio. Passeou com alguns filhos (e amigos destes) pelos jardins. Apresentou-se como primeiro-ministro, mas falou sobretudo como candidato.
Bombos da festa
Num jantar em Aveiro, Santana bateu forte e feio na comunicação social, por alegada parcialidade. Três vaias ouviram os jornalistas.
Radicalismo de esquerda
O ambiente entre comunistas e bloquistas esteve turvo: "O BE está a funcionar como um depósito-geral de adidos, que recolhe pessoas zangadas com a vida", disse Jerónimo. Referia-se a militantes que deixaram o PCP e então demandaram o Bloco. Louçã responderia à letra. Em 2009 é diferente: no debate televisivo vigorou uma espécie de pacto de não agressão.

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