A sombra do desenvolvimento
A parte mais incrível na questão do TGV é mesmo para que serve o eixo Lisboa-Porto, com as paragens nas diversas capelinhas. Ganhar 15 minutos ou mesmo meia hora para tamanho investimento? Sobretudo depois do investimento na modernização da linha do norte, o qual nunca se concluiu? Numa lógica de racionalização dos sempre escassos recursos, mais sentido fará em reutilizar - e concluir - o que já existe.
Da ligação a Madrid, dizem-nos que é a ligação à Europa. Será? Quero ver quantos eurodeputados irão de TGV para Bruxelas. Obviamente, TGV é sinónimo de ligação a Madrid. Ponto final. E como ligação a Madrid há, já neste momento, a ligação aérea. Se o petróleo ficar caro de mais para se usar esta ligação - o que ainda não acontece - em poucos anos se constrói a ligação ferroviária. Para quê então investir agora quando ainda não é pertinente? Além disso, há que não esquecer, muita da electricidade é actualmente gerada a partir do petróleo.
TGV para mercadorias? Brincadeira, claro. Os bens não perecíveis não se estragam por o seu transporte durar mais 3 horas. Quanto aos outros, uma viagem de 3 horas (mais o tempo necessário para carga) não dispensa o uso de câmaras frigoríficas. O que torna indiferente se o transporte demora 3, 5 ou 6 horas.
Então, porquê o TGV? Obviamente porque uma grande obra pública cria uma dinâmica que interessa ao poder político. Olhe-se para os valores que têm sido anunciados para os gastos na campanha eleitoral e logo se perceberá que tanto dinheiro terá que vir de algum lado. Uma parte vem do orçamento de estado, algum virá das contribuições individuais mas o grosso vem de onde? Das contribuições empresariais, obviamente. É público que as grandes construtoras vivem da obra pública e é igualmente público que são grandes contribuidores para o financiamento partidário. O TGV interessa ainda à banca, pelas oportunidades de financiamento que lhe proporcionará. Acenar com obra pública é garantir financiamento partidário e é isto que está em causa no TGV bem como em outras grandes obras. Além disso, é sabido que o período de construção gera uma dinâmica de emprego (directo e indirecto) que ilude a realidade. Mesmo sendo emprego que tem termo certo, basta que o ritmo das obras públicas continue constante - e não tem tido assim tanta flutuação - para que pareça que o desempenho da economia seja outro. Claro que depois aparecem os efeitos colaterais, como o aumento da despesa pública e o endividamento. E neste momento, os respectivos valores atingidos são históricos.
Poder económico e poder político ambos têm a ganhar. O primeiro ganha negócio e aceita pagar por isso, em financiamento partidário, ao segundo. O poder político ganha dinheiro para campanha, que gasta exuberantemente, e permite acenar bandeiras eleitorais de dinâmica. Mas é isto o desenvolvimento ou apenas a sua sombra?
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