Porque sou contra o chip das matrículas (DEM)
Para explicar, deixo aqui um apanhado de várias escritas que noutras ocasiões publicara.
- A partir do momento em todos os veículos automóveis estejam marcados electronicamente é uma questão de tempo até que outros usos sejam definidos (portagens nas entradas das cidades ou em zonas das cidades; estacionamento pago de forma generalizada; controlo de movimentos; e tudo o mais que o cruzamento de dados permita).
- A existência de matrícula automóvel por si só não possibilita o tratamento automatizado de dados; o DEM possibilita. Usando uma analogia, todas as empresas sempre tiveram ficheiros de clientes. Antes da informática, eram gavetas de fichas de cartão e enviar cartas de Natal a todos implicava considerável esforço. Com a informática fazer isto e muito mais passou a ser possível. Por exemplo, nunca passaria pela cabeça de alguém fazer CRM usando um arquivo de fichas de cartão. O que está em causa é a implementação de uma tecnologia que permita a automatização do tratamento de dados e o que daí deriva (cruzamento de dados, por exemplo).
- Os pró-chip fazem questão de insistir no argumento "já usamos telemóvel, Via Verde e cartões bancários". Mas nem o telemóvel, nem a Via Verde nem os cartões bancários estão registados numa agência governamental. Além disso, se não estou satisfeito com o meu operador móvel ou com o meu banco, mudo. Quanto à Via Verde, que não uso por não precisar, o pagamento em dinheiro não permite automação do tratamento de dados (e é este o detalhe que faz toda a diferença). E nenhum destes serviços tem ligação directa à DGV ou às finanças. A questão aqui não é quem não quiser, não usa as SCUT. O DEM estará em todos os veículos, passe-se ou não nas SCUT.
- O Estado tem dado provas sucessivas de que é incapaz de manter a confidencialidade das coisas que sabe sobre os cidadãos. Sem ir mais longe, basta ver o caso Freeport. É por isso válido concluir-se que quanto mais o Estado souber sobre os cidadãos, maior será a devassa da sua vida privada.
- As tecnologias são neutras mas o mesmo não acontece com o uso que lhes é dado. Veja-se o caso Einstein com a sua celebre fórmula E=mC² e a posterior criação da bomba atómica. No caso dos DEM, os chips são perfeitamente inofensivos. Mas quando todos os veículos automóveis possuírem um - e é este o ponto de não retorno - uma panóplia de possibilidades, entre as quais as supra enumeradas, passam a ser possíveis.
- Os DEM contêm possivelmente pouca informação. Certamente que apenas terão um identificador único (uma série de números) que será lido pelo pórtico. Este usa este identificador para pesquisar uma base de dados e obter informação sobre o veículo (o saldo, pelo menos). O busílis da questão é que não é claro o que é que ficará registado nem que cruzamento de dados será feito. Esta é uma área negra neste momento. E mesmo que agora apenas se implemente um processo de gestão de saldo, sem ligação à identificação do veículo, nada impede que tal não venha a ser feito. É que o ponto de não retorno - a instalação de DEM em todos os veículos - está ultrapassado.
- Outro aspecto, o da privacidade. Há uma enorme diferença em voluntariamente abrir mão de alguma privacidade (por escrevermos em blogs, por termos telemóveis, etc.) e entre ser obrigado a dela abdicar e de forma permanente.
- Quanto ao argumento de proteger o ambiente porque os carros param menos nas portagens, vá lá: podemos fazer humor mas por enquanto o assunto ainda é sério.
- Finalmente, mas não menos importante, os DEM, são constituídos por chips RFID. Mas de que género? Há vários, desde os facilmente clonáveis até aos mais complicados de clonar.
Do ponto de vista tecnológico, os DEM podem ser perfeitamente seguros. Não é tanto esta a parte que me preocupa. Para mim, a incerteza coloca-se mesmo no Estado e nos usos que este possa dar aos DEM. O Estado não é pessoa de bem.
O governo diz que cobrança física de portagens custará ao Estado 450 milhões de euros. Não se preocuparam com os 500 a 700 milhões de euros por ano que as SCUT iriam custar desde 2005 até 2025 mas agora estão com esta conversa! Paciência, seja o preço da privacidade.
NOTA
Permitam-me um comentário do tipo "eu bem vos disse": quando isto dos chips foi anunciado pelo governo como sendo uma tecnologia de grande utilidade para os cidadãos, vaticinaria que o único e dissimulado objectivo era a cobrança de portagens. Cá estamos perante a constatação da realidade.
Adenda (26-06-2010)
Caro Marco Amado, em primeiro lugar, agradecido pela atenção. Creio que a desmereço.
Vejamos, é a quantidade de CO e CO2 um argumento de peso a favor da escolha do DEM? É este o sentido do que escrevera quanto a este ponto, já que, mesmo sem esse estudo que refere, é óbvio que a quantidade de CO e CO2 é superior em portagens de cobrança manual. É que se a preocupação é a questão ambiental fará sentido outro género de medidas como por exemplo favorecer o uso do transporte colectivo em vez do individual. Aí sim, estaríamos perante uma diferença significativa. Mais: se o pico de emissões se deve sobretudo à aceleração necessária para se voltar à velocidade cruzeiro depois de se passar a portagem e atendendo ao número de portagens a introduzir nas SCUT, qual é o impacto deste volume de emissões quando comparado, por exemplo, com as emissões derivadas da enorme quantidade de semáforos existentes pelo país fora?
Quanto ao seu restante texto, sublinho que, se ler o presente post para além da frase que liga ao seu post, verá que foco de forma razoável, quanto a mim, toda a sua linha de argumentação. Particularmente, verá que os pontos 3, 5, 6 e 7 constituem contra-argumentação aos pontos principais do seu texto. Em todo o caso, o presente post não é uma resposta ao seu texto.
Para terminar, gostaria de realçar que é possível troca de argumentação sem entrar em questões de índole pessoal ou indo por processos de intenções e julgamentos apressados. Aceito perfeitamente opiniões diferentes da minha, eventualmente sem concordar, mas não estou disponível para troca de galhardetes.
PS: Uma vez que este texto é o assunto do seu post, creio que seria de linkar directamente para aqui, em vez de linkar para a raiz do blog.
PPS: Inicialmente tencionava apenas deixar um comentário no seu blog mas desisti quando vi que seria preciso registar-me.
O objectivo último é ainda mais abrangente e tens origens que para muitos são ainda desconhecidas...
http://mairdenuboske.blogspot.com/2010/06/protejam-os-vossos-direitos-todos.html
Caro Jorge, de certeza que eu é que desmereço a atenção - daí a minha surpresa pelo link, e sobretudo a nota que acompanha o mesmo.
Em primeiro lugar, a minha intenção foi linkar esta posta em particular (como se podia ver pelo texto lincado e título do link), mas por lapso ficou para a raiz. Já está corrigido.
Eu nunca disse que seria um argumento de peso. O sítio onde refiro isso com meia dúzia de palavras está numa frase grande, dentro de um parágrafo grande, num texto grande. Se fosse assim teria-lhe dedicado uma posta - como, aliás, acabei por fazer, mas apenas para demonstrar que quem acaba por fazer humor da coisa tem alguma razão.
Toda a sua restante explanação não é uma argumentação, pelo que não serve de contra-argumentação. É só a sua opinião, que eu respeito, mas não concordo e considero facciosa. Os pontos 3 e 7, especialmente. O ponto 6 é precisamente o que me irrita, e está explicado na minha posta porquê.
Mas como "o presente post" não é uma resposta ao meu texto, e precisamente por isso, rebati apenas o ponto onde o meu site pessoal era linkado. Com uma nota que poderia ser considerada como "indo por processos de intenções e julgamentos apressados". Também eu não estou disponível para troca de galhardetes, mas rebater inverdades, insinuações ou mentiras descaradas não o é - é apenas serviço público.
Em relação à obrigatoriedade de registo, leia a minha posta "Perguntas que ainda não são frequentes, mas de certeza que vão ser..."
Ou eu, tal como o Estado, não sou pessoa de bem (cuidado com as considerações de índole pessoal)? ;)
Caro Marco, obrigado pelo seu comentário.
Precisamente porque o Marco não tinha colocado o argumento em questão como sendo de peso é que lhe dedicara apenas uma nota aligeirada. Por acaso já tinha ouvido este mesmo argumento da parte do núcleo duro do PS (calma, não há nesta frase nada mais dito do que o que aqui está escrito) e já nessa altura achei que invocar esta linha de argumentação para a decisão em causa era despropositado.
Quanto à restante argumentação que diz ser opinião, lamento mas discordo. Por acaso, os pontos 3 e 7 são até bastante factuais. Poderá dizer que são errados (o que seria para outra conversa) mas opinião, bem, creio que está longe disso.
Quanto ao ponto 6, o que é preciso para que haja dados pessoais registados no chip? O grupo sanguíneo? Como imagino que saberá, a partir do momento em que existe uma relação de um para um entre um identificador e o identificado e sendo possível cruzar dados, a questão da privacidade está posta em causa. O Marco chama-lhe "informação confidencial" mas isso é o quê? Informação militar, por exemplo, pode ser confidencial. Suponho que pretenderá referir-se a dados pessoais e, nesse caso, vejamos: o número de sócio do vídeo clube não é um dado pessoal. Com efeito, o vídeo clube até poderá divulgar a lista de sócios desde que apenas apresente o respectivo número. Mas e se esse vídeo clube também souber a minha morada? E se tiver o meu NIB? E se, por absurdo, o Estado o autorizar a consultar a minha conta bancária? A questão aqui, e pesava que isto era óbvio, é que não importa que informação tem o identificador mas sim que dados através dele é possível obter. E é isto que, de forma condensada, está escrito nesse ponto 6. Mas vejamos um caso concreto. Estando grande parte da informação fiscal e financeira dos contribuintes disponível electronicamente, do que se lembraram três luminárias do PS? Propor que se publicassem os rendimentos de todos os cidadãos na net! Sem a anterior maioria absoluta, isto rapidamente caiu mas e se fosse no anterior mandato? Veja-se o que fez o Estado publicando a lista de devedores ao fisco mas sem publicar a lista de dividas do Estado aos cidadãos (lá está, Estado não é pessoa de bem).
Finalmente, o Marco não se limitou a "rebater" o ponto onde o seu site foi linkado. Fê-lo achando "incrível" que tenha apenas encontrado para "falar e linkar" a referência "às vantagens ambientais da cobrança electrónica de portagens". Errado, como mostrei no comentário anterior. Continua pelas considerações pessoais e julgamentos apressados afirmando "Como seria a nossa bloga portuguesa se todos o fizessem [dizer barbaridades], a começar pelo autor do Fliscorno?" Surpreender-me-ia que na primeira vez tenha lido o presente post com atenção (pelo menos não reparou que procurava desmontar a sua argumentação: cf. "a única coisa que encontra para falar e linkar[...]") e apostaria que não procurou primeiro dar uma leitura no que por aqui se escreve antes de vir com essa tirada final (e bastava ter clicado no menu que diz ENERGIA). Sobre os processos de intenções, o que é a frase seguinte se não isso mesmo: "[O Parlamento] Aproveitou foi a cama já preparada pelos seus comentadores – a mando ou não, para o caso não interessa – para justificar a decisão política com as preocupações que foram enfiadas pela goela abaixo da opinião pública". Como vê, meço bem as palavras que escrevo. Será que o Marco faz o mesmo? Nesse caso, queira por favor indicar-me, caso se aplique, onde tenha escrito "inverdades", insinuações ou mentiras descaradas". As piadas de 1 de Abril não contam lol
Jorge, conversar por caixas de comentários dá-me fastio, sobretudo quando há muito a dizer, pelo que vou tentar ser muito, muito breve.
Em primeiro lugar, a minha posta não é de intuito político-partidário, nem sequer de preocupações sociais. Como pode ver pelo resto do site, é de cariz fortemente técnico, e é mais ou menos por aí que eu fico. Quando me apetece dizer qualquer coisa sobre política e similares, vou arrotar postas de pescada para outros blogues mais orientados para isso.
Em segundo lugar, eu parto do princípio, sempre, que o Estado é benigno. Posso não confiar no Governo actual (ou no próximo, ou no anterior), mas no Estado sim; pelo menos, a bem sanidade mental.
Os pontos 3, 6 e 7 são precisamente os que me fazem confusão: ainda ninguém sabe como é que vai ser feita a implementação. É contra isto que me insurjo, descartar um avanço tecnológico com imensas potencialidades por causa de preocupações, digamos... restelianas. Se o Governo deveria publicar a especificação de implementação antes de legislar sobre a obrigatoriedade? Eu acho que sim, mas isso seria uma consideração política que já expliquei que está fora do meu âmbito.
Entenda uma coisa: eu não quero os chips porque me vão obrigar a pagar portagens. Mas recuso-me a descartá-los numa base especulativa (ou numa "inverdade").
Não é líquido que, mesmo havendo uma integridade relacional entre o chip e um cidadão, seja possível cruzar esses dados de forma fácil ou, até, de todo, por um ser humano. Existem imensas aplicações que funcionam dessa forma, em que cada sub-sistema dum cenário tem um protocolo auto-autorizador. Por exemplo, não sei se sabe, mas quase nenhum site que usa sabe a sua password de acesso; as passwords não existem em sítio nenhum: a partir do momento em que muda uma password, ela passa por um processo destrutivo irreversível e é guardada; de cada vez que introduz as credenciais, a password introduzida passa pelo mesmo processo e o resultado é comparado com o anterior, para confirmar que as credenciais estão correctas. Chama-se a isso uma hash, se quiser mesmo saber.
Eu podia dar 20 exemplos de como o sistema dos chips podia ser implementado de forma a que nenhum sub-sistema tivesse acesso à totalidade dos dados identificativos (isto é, onde se encontrassem os dados do pórtico de passagem e os dados do proprietário do veículo), com uma completa encapsulação dos dados necessários ao próprio sub-sistema. Já para não falar dum total isolamento de intervenção humana, maligna ou não. Qualquer aluno que tenha Engenharia de Sistemas lhe pode dizer o mesmo, o resto são especulações.
Bolas, eu disse que ia ser breve, mas entusiasmei-me... ;)
Ainda sobre a questão ambiental, quanto mais penso nisso, mais tenho a sensação que deveria ter sido trazido para cima da mesa a sério. O seu exemplo dos semáforos (ou das rotundas, ou dos stops, ou...) não é válido: as vantagens ambientais são esmagadas pelas vantagens ao nível da segurança ambiental; estou-me a borrifar para o monóxido de carbono se alguém morrer atropelado. Não é o caso nas auto-estradas e suas portagens.
Mas isso seria para outra (longa) conversa...
Ah, afinal ainda tenho outra coisa a dizer... :)
A questão dos comentadores, mais uma vez, é política, e eu evito-a. Por isso é que digo que é irrelevante, pelo menos, para mim, se foram "mandados" ou não. O que é certo é que qualquer um desses que citei tem um passado, uma ligação forte, a uma ou outra força político-partidária. Como tal, qualquer coisa que digam é passível de ser interpretada como intenção de tal, e, normalmente, é-o. A mim, não me afligem essas manobras; como já disse, aflige-me o assassinato de uma tecnologia com base em suspeitas.
Peço desculpa pelo tamanho do comentário.
Caro Marco, respeito a sua posição de preferir não se alongar em comentários. Deixo apenas a nota de que me apoiei na minha formação académica e experiência profissional (cf. "O AUTOR") para postar este texto. Como escrevo para uma audiência alargada, por norma prefiro não entrar em questões demasiado técnicas. Mas creio que o farei num próximo post.
Jorge, só para clarificar: não é "alongar em comentários" é mesmo por causa das "caixas de comentários". As opções de formatação são quase inexistentes, a largura reduzida mete-me confusão, enfim, um conjunto de pet peeves que eu tenho com estas coisas. Se há coisa que eu gosto é de discutir, just for fun.
Ainda por cima, esta semana fui relegado para o portátil, que o meu escritório em casa está como quarto de hóspedes, o que ainda me faz ter menos vontade de escrever.
A questão técnica da coisa, neste momento, é uma incógnita - e o meu ponto é exactamente esse. Se tem experiência em Engenharia de Sistemas, então sabe que há sensivelmente 20 mil maneiras de se resolver um dado problema; no caso em concreto, há várias que são absolutamente seguras, embora admita que a sua implementação possa ser absurdamente complexa.
(bolas, já ia embalar outra vez)
E ficamos por aqui até novos dados sobre o "coiso" (parece que é para Agosto).
Tem razão Marco, a caixa de comentários não ajuda. Muitas vezes acabo por escrever no notepad ou afins.
Bem sei que há soluções técnicas que garantem a privacidade. Essas soluções são implementadas e, eventualmente, anuladas em momento posterior por vontade do decisor político. O meu problema é a vontade política, que muda como o vento. Mudanças das regras a meio do jogo que, ao longo dos meus 43 aninhos por estas bandas, já vi acontecer vezes suficientes.