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DEM: privacidade versus segurança

Se alguém se aproximar de uma janela e espreitar o interior de uma casa estaremos perante um problema de privacidade. Mas será um problema de segurança se por aí entrarem para a assaltar.

Vem este exemplo a propósito ter lido por aí alguns argumentos em defesa do DEM (Dispositivo Electrónico de Matrícula, vulgo chip) afirmando que não existem problemas de privacidade com os DEM porque o alcance destes dispositivos é de apenas alguns metros (cerca de 5) e que, além disso, não existem equipamentos de leitura disponíveis no mercado.

Ora quem opta por esta linha de argumentação está a confundir problemas de privacidade com problemas de segurança.

Os factos de o DEM funcionar por proximidade e a questão de haver ou não equipamentos de leitura é uma questão de segurança. Em causa está se alguém é capaz de ler, sem autorização, o conteúdo do chip.

A questão da privacidade coloca-se quando o DEM é usado para correlacionar os movimentos do veículo com os dados do proprietário. Ou seja, alguém (normalmente o Estado) usa as diversas bases de dados para cruzar dados diversos que tenham sido guardados nos pórticos. Exemplos?  Quem não for cidadão de Lisboa paga uma portagem para entrar na cidade; quem circular a mais de 120 Km/h numa auto-estrada será automaticamente multado; definição de escalões de impostos em função das velocidades praticadas (com o pretexto que velocidades maiores produzem mais poluição); saber se determinada pessoa passou em determinado pórtico; criar o equivalente às escutas telefónicas mas para reconstruir movimentações de veículos; enfim, é uma questão de puxar pela imaginação e ver onde se podem aplicar mais uns impostos.

Neste momento dizem que é garantido que o DEM só será usado para cobrar portagens. Bem, só um naïf  não verá que o Estado é perito em mudar de ideias. Creio que não serão precisos exemplos, pois não? Se o DEM tivesse ficado obrigatório como queriam os socialistas (e suspeito que os sociais-democratas, secretamente, também), as portas estavam mais do que abertas para que, daqui a algum tempo, alguém se lembrasse de um esquema para sacar mais uns cobres aos automobilistas. Aliás, o próprio Sócrates já disso deu sinais ao afirmar que o DEM seria indispensável para os descontos que se anunciam nas SCUT.

Finalmente, o Estado tem dado provas sucessivas de que é incapaz de manter a confidencialidade das coisas que sabe sobre os cidadãos. Sem ir mais longe, basta ver os diversos casos de fugas de informação na Justiça. É por isso válido concluir-se que quanto mais o Estado souber sobre os cidadãos, maior será a devassa da sua vida privada. E com o DEM, o Estado pode ficar a saber mais sobre os cidadãos; basta querer.

Os problemas de segurança com os DEM são reais. Mas mais preocupantes são estas questões de privacidade. Confundir as duas questões é apenas uma táctica de distracção.

 

Primeiro publicado no Aventar