a política na vertente de cartaz de campanha

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Enquanto houver mar, algo há para privatizar

Ora aqui está um novo proverbio, adequados aos tempos modernos. Mas ainda sobra algo para privatizar? Muito sinceramente, pensei que não, que se tivessem esgotado com o Guterres....

Depois de tanto se ter vendido, sem que tenhamos melhores transportes públicos, com maternidades e escolas a fechar, com o interior a ficar deserto e os grandes centros urbanos apinhados; com aumentos de IVA, contenções salariais, gastando o dinheiro da CGA; a minha pergunta é PARA ONDE FOI TODO O DINHEIRO DAS PRIVATIZAÇÕES?!

Como o negócio privado nunca serve para dar prejuízo, temos que concluir que as privatizações não servem para, de forma automática, defender o interesse do Estado, isto é nós , eu, você e todos nós que por aqui habitamos. Uma privatização transforma-se numa mais valia se um sector que era monopólio passa a dispor da oferta de várias empresas, competindo entre si para oferecer melhores preços e/ou serviços/produtos.

Mas temos que voltar novamente à mesma questão, a qual consiste na constatação de que um negócio privado tem que dar lucro. Assim sendo, de onde vem esse lucro quando se privatiza uma empresa (ou serviço) pública? Vejamos algumas possibilidades, cheias de boas intenções:
  • a nova empresa privada consegue aumentar a sua produtividade, baixando assim os preços;
  • acabam os "tachos" onde eram colocados os políticos cansados da política, sobrando portanto liquidez para a empresa;
  • fazem-se investimentos em investigação para se vir a ser mais competitivo na respectiva área de intervenção;
  • (creio que esta lista poderia ser facilmente expandida com alguma imaginação, outros tantos Powerpoints e copiando frases dos comunicados de imprensa ministeriais relacionados com estas vendas).
Obviamente que nenhuma destas possibilidades teóricas se concretiza. Por experiência própria, temos visto que os preços não baixam. Basta atentar à Galp, EDP, Brisa, banca, etc, etc. Por conhecimento próprio e também pelo conhecimento publicado sei que os "tachos" ainda se arranjam. Quem é mesmo aquele senhor que estava no governo e agora está na CGD? Quanto à investigação, creio que apenas serve para as empresas pedirem subsídios. Essa agora, ter que investir capital próprio num disparates destes!

Então, como fazem lucros estas novas empresas?! Salta à vista que se não existir lucro não existirá privatização. Somos obrigados a concluir que o Estado - isto é os nossos governantes - oferecem por baixo do tapete o lucro. Como? Permitindo que um monopólio público se transforme num monopólio privado, seja pelo mercado estar entregue a uma única empresa (exemplo: Brisa, que agora comprou as Autoestradas do Atlântico), seja por permitir que o mercado funcione de forma distorcida (veja-se a PT que apesar da liberalização das telecomunicações, continua a ser o único operador fixo digno desse nome).

Em consequência, e tendo em conta que a nova empresa tem que recuperar o capital investido, torna-se evidente que no longo prazo não baixarão os preços dos serviços prestados. É que a empresa tem que recuperar o capital investido. Não há nada a fazer. E se necessário o Estado, que foi vendedor, pelo exercício da sua influência no mercado acaba por dar uma mãozinha ao que comprou. É o que está a acontecer com a OPA da Sonae. Aparentemente temos um mercado bolsita, mas a compra da PT pela Sonae depende do Estado, pela respectiva entidade reguladora. Esta prometeu publicamente dar uma resposta até final de Julho mas estamos em Setembro e nada.

Recorde-se que este processo da Sonae começou em Fevereiro. Aparentemente, 7 meses não são suficientes para estudar o que é melhor para o Estado. Ups! Enganei-me. Afinal não há regras neste domínio. Pelo menos assim teremos que concluir quando cerca duma semana bastou para que a Brisa fosse autorizada a comprar 40% das Autoestradas do Atlântico. Contrariando, inclusivamente, a decisão da Autoridade da Concorrência (o JN tem uma boa cronologia em http://jn.sapo.pt/2006/06/07/ultimas/Brisa_autorizada_a_comprar_40_d.html ). Não resisto e acrescento ainda esta: Em comunicado, Manuel Pinho afirma que a operação de concentração é autorizada, mas condicionada "às medidas complementares impostas", por "corresponder a interesses fundamentais da economia nacional" [fonte: Lusa]. Palavras para quê? É um artista da Rádio e da TV.

Regressando ao tema inicial, com alguma dificuldade, pois estas incoerências governativas são como as cerejas, para onde foi a quantidade incalculável de dinheiro obtida com as privatizações até aqui? Sinceramente, não sei. Mas penso que o Estado tem a obrigação de nos informar. Portanto, ainda há algo para vender. Este é um tema que sempre me ocorre quando deparo com estas notícias. O meu lado bom não quer acreditar que será queimado em contratações de boys mas...

Concordo, apesar de tudo, com algumas privatizações, pois não há pior gestor do que aquele que toma conta do que não é seu. Gostaria é de ter a capacidade de fazer aparecer uma pinta vermelha na cara destes políticos de cada vez que nos tentam fazer passar por tolos. Seja por defenderem o seu futuro lugar na empresa privatizada, ou por permitirem lucros obscenos, ou a todo o custo evitarem que os outsiders entrem para o clube dos empresários com benção governamental. Acreditem, se disso fosse capaz, haveria muita gente por aí com cara de tomate.



PS: sobre a OPA da Sonae, o Público tem uma excelente secção aqui: http://dossiers.publico.pt/dossier.asp?idCanal=1647. Leitura obrigatória, para se compreender esta novela mexicana.