Laboratório ME
Ministério do sucesso educativo?
Há uns tempos publicara esta imagem sobre o meu ponto de vista relativamente à TLEBS. Repesco-a por achar que também realça a atitude que o Ministério da Educação tem desenvolvido nas últimas décadas: o laboratório da Educação.
Que pensar do uso precoce da calculadora, da crença de que a memorização não é necessária ao desenvolvimento do raciocínio ou dos erros ortográficos não deverem ser tidos em conta nas correcções de exames desde que não seja a ortografia que esteja a ser avaliada? Sinceramente, não vejo como poderá um aluno ter sucesso nos seus estudos se não souber fazer contas, se não tiver sempre presente um conjunto de leis matemáticas (ou outras) e se não conseguir exprimir-se com correcção ortográfica e gramatical.
Retrospectiva
Quando há longos anos (como o tempo passa!) fiz o ciclo e o secundário (actuais 5º e 6º + 7º - 12º), por vezes os alunos desapareciam dum dia para o outro. A desistência, justificada com frases como "não tenho cabeça para os estudos", era encarada como uma alternativa ao insucesso escolar. Em certos momentos críticos (final do ciclo; final do 9º ano; final do 11º ano) não reencontrávamos no ano seguinte aquele(a) amigo(a) de que nos lembrávamos do ano anterior.
Algures pela década de 80 decidiu o ME, e bem, lutar contra o abandono da escola e penso que foram conseguidos alguns resultados positivos. No entanto, as causa do insucesso escolar não desapareceram e, como num passo de mágica, eis que as já tristes estatísticas do sucesso educativo passaram a ser ainda menos apelativas e, sobretudo, motivo de maior vergonha face às inevitáveis comparações europeias.
Foi então - é a minha leitura, que começou a demanda do sucesso pelos números: estaria tudo bem desde que a percentagem de alunos reprovados fosse baixa. De duas negativas passou-se a três negativas como limite para ainda se passar de ano. Depois, três ou quatro, consoante decisão da escola e desde que não estivessem incluídas a matemática e o português. Entretanto, deixou de se reprovar por faltas e foi introduzido o conceito de retenção com base na futurologia: retem-se o aluno num ano a meio do ciclo caso se ache que no final de ciclo ele não tenha desenvolvido as competências programadas. Ou seja, a unidade de chumbo passou do ano lectivo ao ciclo.
A avaliação dos professores
Com estas medidas baixou-se o nível de exigência. Mas era preciso ir mais além, despachar os alunos, leva-los à conclusão do ensino básico, pois um repetente custa dinheiro. É finalmente com a actual ministra que é dado o golpe final. «As notas dos alunos de cada docente e a sua comparação com os resultados médios dos estudantes da mesma escola constituem um dos factores determinantes da avaliação de desempenho dos professores, segundo uma proposta do Ministério da Educação (ME)» (Público, edição impressa,13.07.2007). Esta medida emblemática significa isto: quem der más notas será prejudicado. Em que sentido contribui isto para a avaliação do corpo docente?
A avaliação dos professores é crucial para a melhoria do serviço prestado. Como em qualquer outra profissão, haverá bons e maus profissionais nas escolas. No entanto, os bons professores não vêm o seu mérito reconhecido e os maus professores não são penalizados. Na regulamentação do ECD que está para ser aprovada, serão penalizados os professores cujos alunos reprovem mais do que a média da sua escola. Isto apenas incentiva a passar os alunos, independentemente da sua preparação. Não premeia a excelência, que de resto está limitada em numerus clausus por despacho governativo: «[...] haverá uma percentagem máxima para a atribuição das classificações de Muito Bom e Excelente, fixada em cada agrupamento de escolas por despacho do Governo, tendo por referência a avaliação externa do estabelecimento de ensino» (Público, edição impressa,13.07.2007).
Uma hipótese para a avaliação dos professores
O ECD, na forma como foi concebido e regulamentado, apenas pretende reduzir os custos com os salários. Isso será conseguido pela criada figura do Professor Titular e pela regulamentação do acesso a este patamar salarial. Sim, porque a diferença entre um Professor Triste e um Professor Titular limita-se apenas a alguns euros de diferença. E não trará, como efeito secundário, uma melhoria ao serviço prestado pelos professores, consequência do esforço para passarem a Professor Titular? Não, no meu entender. Passará de escalão quem der boas notas, em vez de quem ensine bem. E também ganhará pontos - muitos - quem interromper a actividade lectiva para exercer um cargo político!
Como implementar então uma avaliação eficaz que premeie o professor competente e desincentive os professores baldas? É um facto, creio que todos nós batemos nalguma situação dessas, a par com professores que marcam uma vida pela positiva, também há outros que são uma verdadeira nódoa. Tive dois manifestamente maus: um que era incapaz de manter a ordem na turma e uma que apenas olhava para aqueles que lhe davam graxa em quantidades diárias e abundantes. Uma vez que abordo a questão, tive também um professor, já na faculdade, capaz de encher o auditório numa aula teórica dum assunto não trivial e no período da manhã - notável!
Não vale a pena fazer de conta que não o sabemos, actualmente ser um bom ou um mau profissional apenas depende do brio profissional que este tiver. E não será o actual ECD que mudará este facto, desmotivando ainda aqueles que de facto cumprem a sua parte.
Considero que existem, no que à avaliação se refere, duas questões a considerar:
1. Numa escola sabe-se quem são os baldas, quem são os maus professores. Sabem-no os colegas, o Conselho Executivo e os próprios alunos. Mas uma uma coisa é a identificação desses profissionais, outra é a tomada de atitudes nesse campo. Creio que não compete aos professores servirem de fiscalizadores dos próprios colegas.
2. Olhar para as notas dos alunos, mesmo que enquadradas no contexto da escola, não possibilita a avaliação do professor pois este pode, se assim entender, inflacionar as notas dos seus alunos. Além disso, provas de aferição que não contam para a nota do aluno mas que serão usadas para a avaliação do professor não passam duma palermice, já que se não conta para a nota do aluno porque é que se há-de julgar que ele estudará?
Ao falar de avaliação, há que definir do que é que estamos a tratar. Estamos a avaliar o professor "funcionário público"? Ou pretende-se antes avaliar o professor "formador de cidadãos"? Ou queremos medir a eficácia dum professor "despejador de matéria"? Ou será antes do mentor do conhecimento de que falamos? Estas questões levam ainda a uma outra: qual é o perfil do professor ideal?
Claramente, o ECD apenas avalia o professor "funcionário público": aquele que não falta e que dá boas notas. O que cumpre o serviço, no fim de contas. E fá-lo, repito novamente, para redução da despesa com salários. Os outros aspectos profissionais, aqueles que fazem um bom professor como a capacidade de motivar o aluno para a aprendizagem, são ignorados.
Como avaliar então um professor? Apresento a seguir uma sugestão. Não tenho a presunção de pensar que possa estar correcta, nem que seja melhor do que a actual. Não sou professor, por isso não constitui sequer uma sugestão baseada na experiência profissional. Mas tenho pensado no assunto, tenho comparado com o que é feito na minha área (trabalho no sector privado) e deixo uma sugestão, eventualmente melhor do que o actual panorama.
Competência | Forma de avaliação | Ponderação | Notas |
Questões laborais | ECD* | Média | Como em qualquer outra profissão, questões como a assiduidade devem ser claras. Seria mesmo necessário um novo ECD para isto? |
Formador de cidadãos | Realização de actividades extra-curriculares | Elevada | Há uma panóplia de actividades que podem ser organizadas, contribuições para a formação do indivíduo, que dão trabalho a preparar e que não contam para a nota do aluno. Não é necessário chegar ao ponto da série Fame mas temas ligados às artes, realização de visitas de estudo, clubes, etc. certamente que contribuirão para uma maior ligação do aluno à escola e para o desenvolvimento de competências sociais. |
Transmissor do conhecimento / facilitador da aprendizagem | Em vez da realização do último teste a cada disciplina, haveria a realização dum exame anual para cada disciplina. Tratamento estatístico dos resultados, contextualizados, por forma a serem detectados desvios acentuados. Detectados desvios acentuados, seriam pedidas justificações aos professores envolvidos. | Muito elevada | De nada vale tudo o resto se não se conseguir fazer os conhecimentos chegar aos alunos. Havendo exames anuais, o conceito acabaria por ser interiorizado, acabando com os medos dos exames. Seria imperativo que as competências examinadas correspondessem às que são programados para a actividade lectiva. Isto parece uma coisa básica mas desconfio que acontece os programas e os actuais exames não estarem em sincronia. Quanto a essa ideia das escolas adaptarem os programas à sua realidade, haveria sempre a hipótese de não serem exames nacionais mas regionais. |
Mentor do conhecimento | Trabalhos de investigação | Baixa | A componente da investigação poderia ser incentivada, no entanto creio que docência e investigação são coisas distintas. Um "crânio" não é necessariamente um bom professor. |
ME labs, S.A.
Um outro assunto, o que começara por ser o tema deste texto, é a irresponsabilidade como o ME introduz as alterações ao modelo educativo e como levianamente a seguir as retira, geralmente em governos diferentes.
Recordemos o que foi o acesso ao ensino superior. Sou (felizmente) pré-PGA, pelo que tinha 3 exames para fazer, podendo escolher as notas de dois deles para efeitos de candidatura. Chegados ao 10º, sabíamos que havia um caminho a seguir e as regras eram conhecidas. Decidiu-se então pela introdução da PGA, em absoluto desrespeito pelos que haviam planeado o seu percurso com base nas regras então conhecidas. Aparentemente não se podia espera três anos. E se calhar até não, tendo em conta os mandatos de quatro anos e a falta de ambição no planeamento a longo prazo. Vários outros modelos se seguiram, desde a extinção da PGA, passando pelo número de exames a realizar e pela criação das provas específicas. É melhor agora do que antes? Não faço ideia. Pessoalmente, dei-me bem com o sistema que tive.
Exemplos como os já referidos, sempre colocados em vigor no espaço de meses como se a Educação fosse um ser moribundo à espera da extrema unção, realçam a inexistência dum plano que vá além do mandato dos quatro anos. E cada ministro que vem tem a lata de achar que os anteriores nada sabiam do que estavam a fazer, cabendo-lhe a ele(a) o papel de grande reformador(a). Pois reforma, reforma seria acabar com as reformas.
Conclusão
Se, perante a extensão do texto, saltou para aqui fez bem: livrou-se duma série de opiniões não fundamentadas, apenas fruto de matutar no assunto.
Em jeito de conclusão posso apontar dois aspectos:
1. tem havido considerável inconstância no rumo definido pelo ME ao longo das últimas décadas. Este facto certamente que terá impacto no sucesso educativo;
2. não existe, nem sequer com o novo ECD, um instrumento que de facto valorize os bons professores, destingindo-os dos maus profissionais.
[Adendas]
1. Eva do Miblogamucho deixou uma interessante reflexão sobre o exemplo francês e sobre as aulinhas de inglês no primeiro ciclo (link).
2. Na sequência do comentário d'O Guardião, acrescentei algumas notas sobre a máquina produtiva da educação (link).
Vivemos num país inefável.As decisões são tomadas por medíocres para valorização de medíocres.
As avaliações são positivas quer para alunos quer para professores, o que se põe em causa é sempre a metodologia. Quamto ao ensino, acredito que deve acompanhar a evolução dos tempos e dos saberes, mas não pode estar constantemente em mudanças sem nexo e em experiências como tem acontecido nos últimos trinta anos. Já houve reformas educativas para todos os gostos e o resultado está à vista.
Cumps
Guardião, quer agradar a gregos e troianos? Se sim, está no bom caminho. Eventualmente, já o conhece e tem usufruto.
Há uns anos, ainda nos meus tempos dos jornais, assisti a um debate sobre educação em Lisboa em que, para além dos teóricos portugueses, intervieram outros teóricos de vários países europeus.
E nesse famoso debate o fulano francês, uma sumidade na matéria e de quem não me lembro o nome, dizia, a dado passo, que a França já tinha passado, nos anos 70 e início de 80, pelo mesmo processo de mudança de metodologias e programas experimentais uns atrás dos outros e que o resultado tinha sido catastrófico.
E aconselhava o senhor a que em Portugal se parasse e de vez com as experimentações, sob pena de, por aqui, também se ter mais do que uma geração cheia de dramas e incompetências à custa desta política do ministério da educação.
E a conclusão que tirava é era preferível aplicar um mau modelo educacional e programático, mas coerente no seu todo e prolongado no tempo, do que fazer dos alunos cobaias, tal como tinha acontecido em França.
Com base nos meus parcos conhecimentos e como mãe duma criancinha que acabou agora o 1º ciclo, acho que o tal teórico tem mesmo razão.
A cada ano as inovações só vêm piorar a coisa. E o melhor exemplo que agora me ocorre é a implementação das aulas de inglês no 3º e 4º ano, sem que “contem para nada”, como dizem os miúdos.
Não “contam” no 4º, é certo, mas e no 5º ano?
Como é que se vai meter em cabecinhas de 9 anos que há dois meses atrás era a brincar mas que em Setembro vai ser a sério, quando até a matéria é a mesma?
E isto já para não falar de quem ministrou as aulas e da formação que abarca. E, voltando outra vez ao umbigo, no caso da escola que o meu filho frequentou este ano – pasme-se – as turmas do 3º e 4º ano tiveram 6 (seis) professores diferentes ao longo do ano lectivo que agora acabou. Desde estudantes do 12º ano, a uma “professora” com um doutoramento na área da biologia feito nos EUA, houve de tudo.
E depois vêm as “sumidades” ministeriais dizer que foi tudo um sucesso. Pena foi não ter havido também umas provas globais para se avaliar à séria dos conhecimentos adquiridos.
Anónimo, quanto à valorização dos medíocres não sei; mas seguramente que as preocupações do ME são apenas os tostões e a percentagem de "sucesso" educativo - é, pelo menos, a minha leitura.
Guardião, em qualquer classe profissional é fundamental a existência de avaliação justa e eficaz. Sei que antes do actual ECD já existia avaliação mas esta era um pró-forma, um relatório que dava uma trabalheira a fazer e que ninguém no ME iria ler, apenas servia como condição à mudança de escalão. Isso é apenas uma espécie de avaliação. Em nada valorizava o bom professor e em nada penalizava o mau profissional.
Há profissões em que a avaliação de desempenho é mais difícil e penso que esse seja o caso da docência. Aqui não basta olhar para os resultados para retirar conclusões. Pensando numa lógica produtiva,podemos considerar a existência quatro actores envolvidos:
A. O professor, "peça" do ambiente produtivo sob avaliação;
B. O aluno, o "produto" a colocar no mercado;
C. O ME, autor das "especificações" do produto;
D. O ambiente socio-escolar à volta do aluno, família incluida.
Noutra situação produtiva, bastaria verificar se A produziu B conforme C especificou, mantendo D em consideração. Na realidade, acontece que B tem vontade própria, C altera as especificações a meio do processo, D espera que A, B e C façam o seu trabalho sem a sua intervenção e a A apenas é pedida quantidade em vez de qualidade.
Portanto, não basta olha para o produto do sistema educativo - o aluno - para inferir sobre o desempenho dos professores. É necessário que o ME mantenha um rumo definido, o ambiente socio-escolar tenha influência activa no processo escolar, que o aluno tenha mesmo que estudar e, finalmente, que o professor, nestas condições, seja confrontado com os resultados.
Em especial, se o aluno não tiver que estudar, seja porque vai realizar provas que não contam para a sua nota (provas de aferição), seja porque a sua passagem é quase automática (exames apenas em final de ciclo), é garantido que os alunos não estudarão. Afinal, são pessoas e estas regem-se com frequência pela lei do menor esforço.
E há ainda que considerar quais são os objectivos do sistema educativo, nomeadamente as questões da formação humana e da formação escolástica. Exames apenas avaliarão a segunda.
Eva, muito interessante.
«E nesse famoso debate o fulano francês, uma sumidade na matéria e de quem não me lembro o nome, dizia, a dado passo, que a França já tinha passado, nos anos 70 e início de 80, pelo mesmo processo de mudança de metodologias e programas experimentais uns atrás dos outros e que o resultado tinha sido catastrófico.»
Cá estão os nossos 20 anos de atraso em relação à Europa e a constatação da inevitabilidade em repetir o caminho dos outros, mesmo que sinuoso.
Suponho que não abundem referências pela net em relação a essa conferência... Deve ter sido realmente interessante.
Não pretendi nunca agradar a gregos e a troianos, nem discordo em princípio com as avaliações. Quanto ao sistema de ensino, analiso como posso, que é seguindo de perto os resultados do meu filho mais novo e dos meus netos, e se ficar apenas por aqui, terei de afirmar que têm notas excelentes. Por outro lado, como tento acompanhar de perto, verifico que há alterações constantes aos programas, abordagens diferentes, nomenclatura diversa... tudo isto dificulta a minha ajuda e a da minha mulher quando as dúvidas surgem. Será que com tantas e constantes alterações se melhora? É no mínimo discutível.
A avaliação, e eu também fui avaliado por uma senhora incompetente, depende do factor humano e do aparelho partidário e fidelidades e amiguismos, não o ignoro. Concordo com a avaliação, mas reafirmo que contesto o método e, porque não, a finalidade que é a poupança duns cobres.
O espaço é curto para análises aprofundados.
Cumps
Guardião, compreendi. Obrigada.
Raposa, não se pode agradar a todos ...