Desenfreado
«Não é por ser repetida muitas vezes que uma tese passa a ser verdadeira. Dizer que "Portugal não tem um regime político com freios e contrapesos [e que] o partido da maioria (...) controla todas as instituições do regime, [pelo que] vivemos numa espécie de 'ditadura conjuntural' do partido da maioria" (Henrique Raposo, no Expresso) - eis uma afirmação que não resiste à análise das nossas instituições políticas nem da nossa experiência política.»
Para justificar isto, apresenta VM estes argumentos:
- O Presidente da República, com o seu poder de veto constitui o «mais decisivo contrapoder no nosso sistema de governo». Acrescenta que «o recente veto da lei sobre o voto dos residentes no estrangeiro mostra a grande eficácia desse poder». Indo por esta linha argumentativa, também poderíamos olhar para o estatuto dos Açores para concluir o oposto. O facto é que, observando a acção governativa, conclui-se que a presidência não é nenhum contrapoder. Aliás Cavaco Silva fez questão nessa ideia da cooperação estratégica, seja lá isso o que for. A realidade do dia-a-dia não coincide com o disposto no mundo ideal das possibilidades.
- Depois de um argumento teórico mas deslocado da realidade, VM entra na ficção. A sua segunda tese é que «a nossa Constituição confere um considerável poder de veto à própria oposição, quando exige maioria qualificada para a aprovação de certas leis (...), o que constitui uma notável restrição ao poder da maioria». Já que estamos no plano teórico, então um partido que tenha 2/3 dos votos não aprovará tudo o que quiser? No caso da presente legislatura isso não se verifica mas contam-se pelos dedos os casos em que os 2/3 funcionaram com freio ou contrapeso.
- Finalmente, VM refere a nomeação e governo dos juízes e um Ministério Público que não depende do governo, «contrariamente ao que sucede em muitos outros países». O facto do Procurador Geral da República ser cargo de nomeação política parece não ter importância alguma. Aliás, não tem mesmo importância alguma. Assim se pode concluir quando VM se refere à existência de várias entidades reguladoras e entidades independentes de controlo e escrutínio do Governo e da Administração: o Banco de Portugal, a Entidade Reguladora da Saúde, o Provedor de Justiça, a Entidade Reguladora da Comunicação Social, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais, o Tribunal Constitucional. Tudo cargos de nomeação política mas que para VM são «isentas de controlo governamental». A realidade é apenas um efeito secundário neste mundo perfeito.
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