Charrua - Lopes da Mota: dois pesos e duas medidas
Vou comparar dois casos que acabaram em processos disciplinares. Não pretendo acusar nem defender nenhum dos intervenientes. Elaboro a minha opinião com base nos factos divulgados publicamente.
Caso 1
Para quem não se recordar, o caso Charrua resume-se a Fernando Charrua, na altura em funções na DREN, ter-se referido ao primeiro-ministro "em tom jocoso" numa conversa privada com outros dois professores. A conversa foi denunciada por SMS e Margarida Moreira instaurou um processo disciplinar, decretando em simultâneo a sua "suspensão preventiva". O processo disciplinar acabou por ser arquivado pelo Ministério da Educação por se enquadrar o referido comentário "no direito à opinião".
Caso 2
O recente caso Lopes da Mota resume-se a este alegadamente ter dito numa conversa privada aos dois investigadores do caso Freeport que este caso poderia ter consequências para as suas vidas profissionais e que estes deveriam arquivar o processo. Os investigadores denunciaram o caso e abriu-se um inquérito para saber se os queixosos tinham ou não razão. Depois do inquérito foi aberto um processo disciplinar. Lopes da Mota continua em funções e vários quadros do PS e do governo clamam pela presunção da inocência de Lopes da Mota e que uma conversa privada devia ter-se mantido como tal. Já sobre outro telefonema de Lopes da Mota para um dos procuradores, testemunhado pelo magistrado titular do Tribunal Central de Investigação Criminal, não ouve comentários.
Sumário
Fernando Charrua | Lopes da Mota | |
Ocorrência | Um comentário jocoso sobre a licenciatura de Sócrates. | Exercício de influência para arquivamento do processo Freeport, com referência a eventuais consequências na carreira dos investigadores em caso contrário. |
Consequências imediatas | Charrua foi sujeito a um processo disciplinar e suspenso "preventivamente" de funções. | Nenhumas. |
Inquérito antes da abertura de processo disciplinar | Não existiu inquérito (o processo disciplinar foi instituído imediatamente). | Abertura de inquérito para verificar se os queixosos o faziam com fundamento. Prazo de um mês para realização do inquérito. |
Resultado do inquérito | Não existiu inquérito (o processo disciplinar foi instituído imediatamente). | Foi apurado que os queixosos tinham razão na queixa* e decidiu-se abrir um processo disciplinar a Lopes da Mota. |
Resultado do processo disciplinar | Foi arquivado por o referido comentário se enquadrar no direito de opinião. | Inquérito ainda a decorrer (16.05.2009) |
Consequências do processo disciplinar | Nenhumas. Fernando Charrua não foi readmitido na DREN e Margarida Moreira não foi demitida por instauração de processo disciplinar sem fundamento. | Inquérito ainda a decorrer (16.05.2009) |
* Atente-se ao telefonema de Lopes da Mota para um dos procuradores, testemunhado pelo magistrado titular do Tribunal Central de Investigação Criminal e relatado no referido inquérito num depoimento com dezenas de páginas e a Vítor Santos Silva, o inspector do Ministério Público que investigou as alegadas pressões sobre os magistrados do caso Freeport, considerar que os factos imputados a José Luís Lopes da Mota serem “muito graves”. Além disso, está em causa a palavra de Lopes da Mota contra a de 5 pessoas.
Conclusões
- Da leitura dos factos desta tabela resulta que um caso (Charrua) foi sujeito foi alvo de medidas mais duras do que o outro (Lopes da Mota).
- Apesar de no caso Lopes da Mota as vozes socialistas e de figuras ligadas ao estado apelarem para a presunção da inocência de Lopes da Mota (como se estivéssemos perante um processo judicial), esta nunca existiu para Fernando Charrua, já que este foi imediatamente dado como culpado (daí a sua suspensão imediata).
- A classe profissional da justiça reagiu corporativamente para proteger um dos seus, não se verificando o mesmo entre a classe docente.
- O caso Charrua foi dramatizado como sendo uma forma indecente de tratar o PM e o caso Lopes da Mota tem sido relativizado pela descredibilização dos queixosos e pela tese de que uma conversa privada não devia ser divulgada.
Para memória futura, seguem-se alguns textos jornalísticos sobre os casos em questão.
Governo vai ter de decidir em breve se reconduz a actual responsável da DREN
Caso Charrua causa mal-estar no PS
27.05.2007 - 13h03 Sérgio C. Andrade, Filomena Fontes
A permanência de Margarida Moreira na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) depois do caso Fernando Charrua está a avolumar o mal-estar no PS-Porto. A oposição ao líder federativo, Renato Sampaio, apenas estará à espera da reunião da comissão política, marcada para o dia 4 de Junho, para pedir contas sobre um caso cujos estilhaços atingiram o próprio primeiro-ministro.
As dificuldades para o líder do PS-Porto são óbvias: é um apoiante de primeira hora de José Sócrates e foi por ele que passou também a nomeação da actual directora regional. Mas as proporções que o assunto assumiu extravasaram já para a Assembleia da República, pondo em xeque a própria ministra da Educação, que se refugia no facto de o inquérito disciplinar estar ainda a correr para não se pronunciar.
No Parlamento, a bancada do PS bloqueou a exigência dos partidos da oposição que queriam discutir o caso na presença da ministra. Mas a polémica parece estar longe de sair da ordem do dia. Ontem, o semanário Expresso dava conta de novos episódios em que a conduta de Margarida Moreira como directora da DREN era posta em causa, supostamente por recorrer ao afastamento de funcionários com os quais mantinha relações de conflito.
Há quem exija a demissão de Margarida Moreira da DREN, mas o PS não estará interessado em precipitar a queda, dando, assim, argumentos à oposição, que vem clamando contra um clima intimidatório e de perseguição fomentado por medidas do executivo de Sócrates.
Acontece que, na sequência da aplicação do PRACE ao Ministério da Educação, o Governo terá obrigatoriamente de nomear, a curto prazo, os novos responsáveis pelas direcções regionais de Educação. Aí se verá se a ministra renovará ou não a sua confiança na actual responsável - que, como os outros elementos da sua equipa, se mantém em funções de gestão, como obriga a lei do funcionalismo público. Aliás, a própria estrutura nuclear da DREN foi alterada, pelas portarias 362 e 384 de 30 de Março deste ano, resultando dessa medida, por exemplo, a extinção do cargo de director dos Recursos Humanos, actualmente ocupado por António Basílio, que, ao que o PÚBLICO apurou, assina a queixa contra o seu subordinado Fernando Charrua e que esteve na origem do processo disciplinar e do afastamento deste professor da DREN.
Segredo disciplinar
António Basílio recusou-se ontem a comentar a sua eventual intervenção no caso, justificando-se com o facto de ele estar em "segredo disciplinar". Confirmou ter sido já ouvido pelo instrutor do processo e disse esperar "que ele termine rapidamente, para a verdade vir ao de cima, para bem de todos".
O responsável pelos recursos humanos da DREN não quis também comentar a notícia do Expresso, que se refere a cinco outros episódios anteriores ao de Charrua em que professores viram cessados os seus vínculos com aquela direcção regional. Neles ressalta o de um professor de Inglês, cego, António Queirós, que confirma ao semanário ter sido também vítima de uma delação. A requisição deste professor não foi prolongada e ele voltou a dar aulas na escola a que estava ligado, em Rio Tinto.
O PÚBLICO sabe que o texto da queixa contra Charrua diz que este, "em tom jocoso, proferiu palavras que mereceram reprovação imediata de quem as ouviu", referindo a presença de dois outros professores no gabinete onde Fernando Charrua terá chamado "filho da puta" ao primeiro-ministro.
O acusado volta a negar veementemente o teor da declaração e a insistir em que se tratou apenas de "um comentário jocoso retirado do anedotário nacional sobre o caso Sócrates /Independente". E acrescentou que a própria directora regional faz regularmente comentários do mesmo género, como o que esta semana terá proferido na Escola do Cerco do Porto, a pretexto da apresentação do programa Novas Oportunidades (ver entrevista ao lado).
Fernando Charrua promete levar a sua defesa até ao fim. "Vou utilizar a lei deste país e todos os meios à minha disposição, mesmo que fique sem um tostão. E vou confiar na Justiça". E, acreditando em que o processo o vai inocentar, acrescenta: "No final, se o juiz o determinar, vou regressar à Direcção Regional de Educação do Norte, com o papel na mão, nem que seja só por uma semana. E depois venho-me embora".
Trabalhava há quase 20 anos na DREN
Professor de Inglês suspenso de funções por ter comentado licenciatura de Sócrates
19.05.2007 - 10h09 Mariana Oliveira
Um professor de Inglês, que trabalhava há quase 20 anos na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), foi suspenso de funções por ter feito um comentário – que a directora regional, Margarida Moreira, apelida de insulto – à licenciatura do primeiro-ministro, José Sócrates.
A directora regional não precisa as circunstâncias do comentário, dizendo apenas que se tratou de um "insulto feito no interior da DREN, durante o horário de trabalho". Perante aquilo que considera uma situação "extremamente grave e inaceitável", Margarida Moreira instaurou um processo disciplinar ao professor Fernando Charrua e decretou a sua suspensão. "Os funcionários públicos, que prestam serviços públicos, têm de estar acima de muitas coisas. O sr. primeiro-ministro é o primeiro-ministro de Portugal", disse a directora regional, que evitou pormenores por o processo se encontrar em segredo disciplinar. Numa carta enviada a diversas escolas, Fernando Charrua agradece "a compreensão, simpatia e amizade" dos profissionais com quem lidou ao longo de 19 anos de serviço na DREN (interrompidos apenas por um mandato de deputado do PSD na Assembleia da República).
No texto, conta também o seu afastamento. "Transcreve-se um comentário jocoso feito por mim, dentro de um gabinete a um "colega" e retirado do anedotário nacional do caso Sócrates/Independente, pinta-se, maldosamente de insulto, leva-se à directora regional de Educação do Norte, bloqueia-se devidamente o computador pessoal do serviço e, em fogo vivo, e a seco, surge o resultado: "Suspendo-o preventivamente, instauro-lhe processo disciplinar, participo ao Ministério Público"", escreve.
A directora confirma o despacho, mas insiste no insulto. "Uma coisa é um comentário ou uma anedota outra coisa é um insulto", sustenta Margarida Moreira. Sobre a adequação da suspensão, a directora regional diz que se justificou por "poder haver perturbação do funcionamento do serviço". "Não tomei a decisão de ânimo leve, foi ponderada", sublinha. E garante: "O inquérito será justo, não aceitarei pressões de ninguém. Se o professor estiver inocente e tiver que ser ressarcido, será."
Neste momento, Fernando Charrua já não está suspenso. Depois da interposição de uma providência cautelar para anular a suspensão preventiva e antes da decisão do tribunal, o ministério decidiu pôr fim à sua requisição na DREN. Como o professor, que trabalhava actualmente nos recursos humanos, já não se encontrava na instituição, a suspensão foi interrompida. O professor voltou assim à Escola Secundária Carolina Michäelis, no Porto. O PÚBLICO tentou ontem contactá-lo, sem sucesso.
No entanto, na carta, o professor faz os seus comentários sobre a situação. "Se a moda pega, instigada que está a delação, poderemos ter, a breve trecho, uns milhares de docentes presos políticos e outros tantos de boca calada e de consciência aprisionada, a tentar ensinar aos nossos alunos os valores da democracia, da tolerância, do pluralismo, dos direitos, liberdade e garantias e de outras coisas que, de tão remotas, já nem sabemos o real significado, perante a prática que nos rodeia."
Relatório sobre alegadas pressões é apreciado hoje pelo Conselho Superior do MP
Freeport: Lopes da Mota poderá ser alvo de processo disciplinar
12.05.2009 - 08h01 PÚBLICO
O presidente do Eurojust, Lopes da Mota¸ poderá vir a ser alvo de um processo disciplinar no seguimento do inquérito às alegadas pressões sobre dois procuradores do caso Freeport, Vítor Magalhães e Pães Faria.
Segundo as edições de hoje do “Diário de Notícias” e do “Correio da Manhã” esta é uma das conclusões do relatório que foi ontem entregue ao Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, e que esta manhã, a partir das 10h30, vai ser apreciado pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).
A proposta de instaurar um processo disciplinar por violação do dever de isenção contra o representante nacional no Eurojust será uma das propostas elencadas pelo instrutor do inquérito, Vítor Santos Silva.
Recorde-se que este caso surgiu quando Magalhães e Paes Faria alegaram que teriam sido vítimas de eventuais pressões durante uma conversa mantida com Lopes da Mota. Este responsável terá sublinhado aos dois magistrados a situação delicada do caso Freeport, comparando-o mesmo com o processo Casa Pia.
E o caso ganhou novas proporções quando o ministro da Justiça, Alberto Costa, foi acusado de ter estado por trás dos recados de Lopes da Mota aos dois procuradores. Costa foi ouvido no Parlamento e negou esta acusação, embora tenha confirmado um encontro com Lopes da Mota na semana em que este terá conversado com os dois procuradores do Freeport.
De acordo com o “Correio da Manhã”, Lopes das Mota contou a Vítor Santos Silva o teor das conversas com os magistrados e terá ilibado Alberto Costa de qualquer responsabilidade neste processo.
A versão do presidente do Eurojust terá sido desmontada por Vítor Magalhães e por Paes Faria, e ainda pelo juiz Carlos Alexandre, magistrado titular do Tribunal Central de Investigação Criminal, que, num depoimento com dezenas de páginas, terá explicado o que ouviu quando presenciou um telefonema de Lopes da Mota para um dos procuradores.
Ao longo do último mês, Santos Silva terá também ouvido Maria Alice Fernandes, directora da Polícia Judiciária de Setúbal, e, conta o “Diário de Notícias”, inquiriu por mais de uma vez os intervenientes directos neste processo.
O relatório, que hoje será avaliado pelo CSMP, tem 248 páginas.
DN-Inspector do MP propõe suspensão de Lopes da Mota
Maio 13, 2009
Autor: Carlos Rodrigues Lima, João Pedro Henriques
Data: Quarta-feira, 13 de Maio de 2009
Pág.: Capa+02+03
Temática: Actual IInspector do MP propõe suspensão de Lopes da Mota
O procurador que investigou as suspeitas de pressões no caso Freeport foi claro no relatório final: os factos denunciados são, segundo Vítor Santos Silva,”muito graves”. PSD e PCP exigiram a demissão de Lopes da Mota da presidência do Eurojust.
Pressões no caso Freeport. Procurador que investigou suspeitas considera -que os factos denunciados pelos magistrados que averiguam o Freeport são “muito graves”. Pinto Monteiro, procurador-geral da República, decidiu abrir um processo disciplinar a Lopes da Mota, presidente do Eurojust e o principal suspeito de ter exercido pressões. Um caso inédito na justiça portuguesa
Inspector do MP propõe suspensão para Lopes da Mota
Vítor Santos Silva, o inspector do Ministério Público que investigou as alegadas pressões sobre os magistrados do caso Freeport, considera que os factos imputados a José Luís Lopes da Mota, presidente do Eurojust, são “muito graves”, aos quais corresponde uma pena de suspensão do Ministério Público. Suspensão esta que, segundo a lei, pode ir até oito meses. Em causa, tal como o DN adiantou ontem, pode estar por parte de Lopes da Mota a violação do dever de isenção. Foi o próprio Procurador-Geral da República, Fernando Pinto Monteiro, quem decidiu avançar para um processo disciplinar.
O dever de isenção está previsto - e aplica-se aos magistrados do Ministério Público (MP) - no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei 58/2008 de 9 de Setembro). De acordo com o diploma, no artigo 3º,”o dever de isenção consiste em não retirar vantagens, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce”. O enquadramento legal, combinado com os factos já conhecidos, sugere que as suspeitas mais graves sobre as pressões estarão centradas numa eventual interferência directa de Lopes da Mota junto dos procuradores Vítor Magalhães e Paes de Faria de forma a encaminhá-los para uma decisão final, a qual passaria pelo arquivamento do caso, fruto da prescrição dos eventuais crimes.
Nas conversas que manteve com Vítor Magalhães e Paes de Faria, o presidente do Eurojust terá feito ainda referências às consequências que o caso Freeport poderia ter no Ministério Público, comparando-o com o processo da Casa Pia.”Vocês estão sozinho nisto”, terá dito Lopes da Mota, misturando este tipo de declarações com uma indicação de que tinha tido uma reunião com o ministro da Justiça, Alberto Costa. Em declarações a Vítor Santos Silva, o presidente do Eurojust afastou, porém, qualquer interferência do governante.
A suspensão da função pública é a terceira pena mais pesada prevista para os magistrados do MP Mais grave do que esta só a inactividade e e demissão. Apesar de Vítor Santos Silva apenas ter colocado no relatório preliminar às suspeitas de pressões, apresentado ontem por Pinto Monteiro na reunião do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), a suspensão a Lopes da Mota como pena correspondente aos factos, tal mereceu uma leitura clara por parte de um membro do CSMP:”No relatório preliminar, apenas se diz qual é em tese a pena aplicável. Mas como é o mesmo inspector que irá elaborar a acusação, tudo indica que a suspensão a Lopes da Mota vai passar a uma proposta de pena”. Esta opinião foi, refira-se, secundada por um segundo elemento do órgão máximo do MP ouvido pelo DN após a reunião.
Freeport em segredo total
As próximas etapas da “série Lopes da Mota”são as seguintes: o mesmo inspector que fez a averiguação preliminar vai transformar o relatório final numa acusação. A nota de culpa será enviada a Lopes da Mota que, além de responder, pode indicar testemunhas e requerer novas diligências. Terminada esta fase, Vítor Santos Silva envia o processo disciplinar para o CSMP Neste órgão, um dos 19 conselheiros ficará responsável pela elaboração de um acórdão com uma proposta final de sanção, que tanto pode coincidir com a do inspector como também pode ser menor ou maior. Cabe a uma secção disciplinar do CSMP determinar a pena final.
Mas o inquérito disciplinar não termina por aqui. Caso (sobretudo se for condenado) o presidente do Eurojust não concorde com a decisão, ainda pode recorrer para o plenário do Conselho e ainda para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tendo em conta toda esta tramitação prevista na lei, tudo à volta do caso Freeport deverá ficar em segredo por mais um ano.: a investigação criminal está em segredo de justiça até Junho de 2010. Um relatório feito pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal e entregue ao Procurador-geral da República sobre o que foi feito (ou não) nos últimos quatro anos está em segredo de justiça, segundo disse a PGR ao DN.
O processo disciplinar ao presidente do Eurojust, Lopes da Mota, confirmado ontem por Pinto Monteiro, é, segundo a Procuradoria, de “natureza confidencial até à decisão final”.
Conversas privadas, penas públicas
‘foi uma conversa entre amigos.” A frase de Lopes da Mota, uma das explicações dadas por si para as suspeitas de pressões, poderá ser considerada banal, sem interesse, mas do ponto de vista jurídico poderá ser o ponto de partida para a defesa no processo disciplinar ontem aberto por Pinto Monteiro. Isto porque, como recordou António Marinho Pinto na SIC, em 2003 o Supremo Tribunal de Justiça anulou uma condenação em processo disciplinar de um juiz que disse que os membros dos Conselho Superior da Magistratura eram todos uns filhos da … Para o Supremo, o juiz não poderia ter sido condenado, uma vez que se tratou de uma conversa tida no seu espaço de privacidade, logo inviolável. Refira-se que Pinto Monteiro, na altura juiz conselheiro, votou contra este entendimento. O argumento poderá ser retomado por Lopes da Mota na sua defesa. O presidente do Eurojust poderá alegar que as conversas que manteve com Vítor Magalhães e Paes de Faria decorreram num contexto privado, sem qualquer intenção de influenciar os seus colegas.
PS acusa “oposições” de estarem a pressionar procuradores
Para o PSD e o PCP, é altura de Lopes da Mota deixar já a Eurojust. Para o PS, tal decisão só depois de concluído o processo disciplinar decidido ontem
O PS destoou ontem nas reacções partidárias ao excluir, para já, a necessidade de se afastar o procurador Lopes da Mota da presidência da Eurojust. A decisão do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) desencadeou, de imediato, troca de críticas entre os partidos.
“Neste momento não estão provadas quaisquer pressões”, disse o porta-voz do partido, Vitalino Canas, numa conferência de imprensa na sede nacional do partido. Só depois de concluído o processo disciplinar a Lopes da Mota é que “se verá se existiram ou não as alegadas pressões”, acrescentou.
O PSD reagiu através de José Pedro Aguiar Branco. O vice-presidente “laranja”disse que a decisão do CSMP “obriga o Governo a tomar as medidas necessárias a proceder ao afastamento do senhor presidente da Eurojust”.”Primeiro, por “Se fosse eu, demitia-me”, diz bastonário.
“Eu não posso falar pelo Lopes da Mota, mas se estivesse no lugar dele, demitia-me, não tenho dúvidas nenhumas”, afirmou ontem o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto. Em entrevista no Jornal da Noite da SIC, este responsável afirmou ainda que “só em Portugal é que nasce um processo assim, numa reunião entre políticos e jornalistas”. Sobre as alegadas pressões feitas por Lopes da Mota, Marinho Pinto afirma que se tratou “de uma conversa entre colegas”. “Este caso traz-me à memória o processo de Fernando Charrua.”, disse o bastonário, acrescentando: “O que é o que o primeiro-ministro ou o Presidente da República podem fazer a um magistrado? Zero.” que as pressões visavam objectivamente proteger o senhor primeiro-ministro. Em segundo lugar, porque a representação externa de Portugal num organismo desta natureza não pode compadecer-se com alguém que tem sobre si a suspeição que leva a determinar a existência de um processo disciplinar com estas características”, explicou.
O PCP pronunciou-se no mesmo sentido.”Lopes da Mota não reúne condições para continuar a exercer esse cargo”, disse o deputado António Filipe. E o CDS igualmente: “Lopes da Mota não tem mais condições de se manter à frente do cargo mas falta saber das consequências que o ministro da Justiça retirará, e por isso requererei de novo a audição do senhor ministro da Justiça no Parlamento”, afirmou o deputado Nuno Melo
O PS afirmou “as reacções das oposições constituem uma forma de pressão sobre as próprias entidades independentes, que são os magistrados do Ministério Público”. “Os magistrados do Ministério Público são entidades independentes e regem-se por uma lógica de independência. O PS não se intromete nessa lógica de independência”, disse Vitalino Canas. O porta-voz escusou-se a dizer se Lopes da Mota tem ou não condições para se manter à frente do Eurojust: “Não é o PS que tem de se pronunciar se tem confiança em relação a um magistrado do Ministério Público.”
O Bloco de Esquerda foi mais contigo. A deputada Helena Pinto afirmou ser “preocupante” a decisão do CSMP havendo necessidade de o ministro da Justiça se pronunciar. “A situação é muito preocupante e deve ser esclarecida no mais curto espaço de tempo possível”, disse.
Procurador propõe, governo nomeia
O Eurojust é um organismo da União Europeia que “tem por objecto a cooperação em matéria penal entre as autoridades nacionais no espaço da União Europeia”. Isto é, é um órgão que facilita o contacto entre as autoridades judiciárias dos países da União quando estão em causa crimes cometidos em vários países pelas mesmas pessoas. É composto por 25 pessoas, designados por membros nacionais, indicados pelos países que compõem a UE. Lopes da Mota, o membro português, foi, como diz a lei, nomeado por despacho conjunto dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Justiça, após proposta do procurador-geral da República, ouvido o Conselho Superior do MP. Em 2007, por votação interna, Lopes da Mota foi eleito presidente do Eurojust.
Consequências do processo disciplinar
Demissão
PSD e PCP pediram a demissão de Lopes da Mota do Eurojust. Até à hora de fecho desta edição, nem o ministro da Justiça nem o próprio Lopes da Mota se pronunciaram sobre a exigência da oposição
Suspensão
A pena é proposta pelo inspector do MP, mas não é a condenação final. Mesmo que o Conselho Superior a ratifique, Lopes da Mota pode recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo.
Relação Com Eurojust
Continuando a investigação ao Freeport, ninguém esclareceu como será daqui por diante a relação com o Eurojust. Há confiança?
A palavra de Lopes da Mota contra as palavras de cinco pessoas
Lopes Da Mota
Presidente do Eurojust, organismo europeu criado para a cooperação judiciária entre países da União, terá abordado com os procuradores do caso Freeport a tese de uma eventual prescrição dos crimes em investigação, assim como terá feito outro tipo de comentários. Defende-se, dizendo que apenas teve uma conversa entre amigos, admitindo ter dito que José Sócrates queria o caso resolvido rapidamente. “Isto é uma pressão?”, questiona.
Vítor Magalhães
Procurador do DCIAP que está a investigar o caso Freeport, confirmou ter entendido os comentários de Lopes da Mota como uma forma de pressão. Magalhães e Lopes da Mota eram, até à data do início da polémica, amigos. Mas o titular da investigação manteve a acusação deter sido pressionado.
Paes De Faria
Estava com o caso dos voos da CIA, mas a complexidade do Freeport fez com que se juntasse à equipa. No processo de averiguações confirmou as declarações do seu colega, Vítor Magalhães. Ou seja, os comentários de Lopes da Mota não foram meras conversas de café, mas sim uma forma de pressão.
Carlos Alexandre
Juiz de instrução do processo, encontrava-se no DCIAP no dia em que Vítor Magalhães terá recebido uma chamada de Lopes da Mota, na qual o presidente do Eurojust terá feito comentários sobre o desfecho do Freeport. Foi ouvido no processo e terá defendido a tese das pressões.
Maria A. Fernandes
Directora da PJ de Setúbal está envolvida na investigação criminal ao Freeport. Também se encontrava no DCIAP no dia de um telefonema. Foi ouvida pelo inspector Santos Silva a quem terá testemunhado a reacção dos procuradores após o telefonema de Lopes da Mota
João Palma
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público tomou a iniciativa de denunciar publicamente a existência de pressões. João Palma, recém-eleito, soube do caso e não perdeu tempo, conseguindo até uma audiência como Presidente da República, Cavaco Silva.
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É tão evidente que até doi, não é verdade? A diferença, claro está, resume-se a um pormenor de somenos importância: Charrua é militante do PSD, Lopes da Mota do PS. Diz-me com quem andas...
Excelente trabalho, Fliscorno.
Rigoroso e objectivo, de leitura óbvia, mas que não interfere na análise.
Parabéns.
Jorge, os pormenores fazem sempre a diferença. Há por aí agora a teoria de que os dois casos não são comparáveis porque Charrua estava sob a alçada do governo e Lopes da Mota não. A parte nesta argumentação que me escapa é esta: afinal Lopes da Mota tem ou não um superior hierárquico? Além disso, se o governo procede à nomeação, não pode também proceder à exoneração?
Rosalina, obrigado. Procurei elaborar com base nos factos conhecidos.
Ainda que o governo (e o PS) nada pudesse fazer, o espantoso é que não mostre qualquer incómodo. A moralidade devia contar mais que tudo o resto. Eu ainda me lembro de um PS que se orgulhava de um ministro (António Vitorino) que se demitiu mal surgiu uma suspeita sobre a sua conduta. É preciso lembrá-los vezes sem conta que à «mulher de César» não basta parecer... Se bem que neste caso todos sabemos o que «a mulher» parece.
Digno de difundirmos nos nossos sítios, ok? Muito bem apanhado.