O inexplicável caso da CP, ainda
No Público vem hoje um artigo titulado «O labiríntico tarifário da CPComboios». A certo ponto, justifica-se a desorganização com o plano de se privatizar a empresa, o que situa a origem do caos num passado recente. Acontece que a situação tem barbas. Há 20 anos, nos meus tempos de Coimbra, já a Bifurcação de Lares era o local ventoso de espera por ligações que não foram planeadas correctamente que agora é. Bi-anualmente havia novos horários, os de Verão e os de Inverno. Em cada novo horário, a situação mantinha-se: uma ligação não se fazia por uma questão de minutos, obrigando à espera de quase uma hora pela ligação seguinte. Esta e outras histórias aqui: O inexplicável caso da CP
Qual estratégia?
Custando-me a acreditar que seja possível existir tanta incompetência junta, só posso concluir que estas situações resultam duma estratégia. Qual é ela já não me é claro. E este é um assunto do qual até se devia falar bem mais, já que o grupo (CP+REFER) que come 78 milhões de euros ao orçamento. Vamos a isso, então.
Durante alguns anos usei o DB (comboios alemães) e posso constatar os anos luz a que a CP está em todos os níveis: organização, oferta, diversificação de serviços e interligação com outros meios de transporte. Experimentem vós mesmos:
http://www.deutschebahn.com/site/bahn/en/start.html
Um exemplo: o Bayern Ticket, o bilhete válido na Baviera (outros estados têm outros bilhetes) que permite 1 a 5 passageiros uma viagem de ida e volta para qualquer ponto da Baviera por 25 euros usando os regionais e inter-regionais. Aqui sim, vê-se uma estratégia para ganhar clientes.
A culpa é dos carros
Culpar o automóvel pelo declínio da CP é muito conveniente para a própria. Mas há um pequeno detalhe: a CP começou a sua estratégia de fecho de linhas bem antes do domínio do automóvel.
Veja-se a linha do Oeste, localizada numa zona populacional densa, perto das praias e que liga a Figueira da Foz ao centro de Lisboa, no Rossio. Tem portanto todos os ingredientes para o sucesso, certo? Errado. Os horários são uma miséria. Qualquer serviço de autocarro é mais rápido, tem melhor horários e o preço (na última vez que verifiquei) até é mais baixo.
Na década de 80, portanto ainda longe do omnipresente automóvel, a CP decidiu transformar a linha do Oeste num percurso de mercadorias, já que, no seu entender, a linha do Norte era melhor para o transporte de passageiros. Começou por produzir horários que não serviam os clientes, seja pelas horas de passagem nas diversas estações, seja pelo número de comboios disponível. Um número significativo de passageiros foi-se mudando para a crescente oferta de serviço rodoviário e, num processo de feedback, a CP foi dizendo que não tinha passageiros, o que a levava a produzir cada vez piores horários. Hoje o resultado é uma espécie de ligação regional entre a Figueira da Foz e o Rossio, com passagem pelas Caldas da Rainha.
Dizem que vem aí o TGV. Mais um serviço de transportes desarticulado dos restantes – é o meu palpite. Algo bem típico da CP, inclusivamente, entre os seus próprios serviços como bem demonstra o artigo.
A incompetência foi sempre - e continua a ser - o mote das empresas públicas. Veja-se todas aquelas que passaram a privadas e passaram a dar lucros fabulosos. Esta verificação permite-nos concluir que "estratégia" é um vocábulo usado sem que se lhe conheça o real sentido.
E assim se faz Portugal, como diz a canção.